ADUFE.PT
Amigos:
Salvo motivo de força maior (cataclismo no weblog.com.pt) este blog que agora vêem vai deixar de ser actualizado.
Mudei de casa (ainda faltam umas bugigangas). Fica aqui contudo o álbum de fotografias, cartas e emoções. O meu primeiro blog... minto, segundo. O primeiro é esse outro meio secreto que se chama Portal - País Abreviado.
Em suma, não fechei para obras, estou simplesmente numa casa que espero mais airosa. Ainda há-de levar umas quantas demãos de tinta, umas afinações. Mas se o construtor fôr de confiança, como este do blogger não é, espero por lá ficar à vossa espera. E o lá é este: http://adufe.weblog.com.pt.
Até já.
Bem hajam.
P.S.: durante mais uns dias vou fazer actualizações fictícias neste endereço para chamar leitores irregulares a este post e avisá-los assim da mudança.
P.P.S.: Ainda um agradecimento especial ao Psicótico: o Adufe.pt já surge na listagem dos Fresco. Já reparam em como estão bonitos os frescos?
terça-feira, setembro 23, 2003
Reflexo de Adufe.pt
Sociedade Ponto Verde / Reciclagem
Tenho em carteira dois contributos sobre o tema do título. É umatema a que recorrentemente tenho dado destaque no Adufe. Assim que puder fazer uma resenha da discussão passada (e espaçada) apresentarei essas contribuições que recebi por mail. Parece-me que a nova casa me trouxe também novas visitas, leitores diferentes, pelo que para retomar o tema prefiro repetir um pouco a história. Em breve...
Sociedade Ponto Verde / Reciclagem
Tenho em carteira dois contributos sobre o tema do título. É umatema a que recorrentemente tenho dado destaque no Adufe. Assim que puder fazer uma resenha da discussão passada (e espaçada) apresentarei essas contribuições que recebi por mail. Parece-me que a nova casa me trouxe também novas visitas, leitores diferentes, pelo que para retomar o tema prefiro repetir um pouco a história. Em breve...
Reflexo de Adufe.pt
Terras do Nunca (act.)
Já me ri a valer com uma entrada do Terras do Nunca onde se diz que "O Adufe inventou a estereofonia na blogosfera.". Diz que vai aguardar pelo relato da minha experiência de migração para o domínio .pt via weblog. Mas parece que independentemente do relato que eu venha a fazer o BLOGGER fez das suas vitimando o Terras do Nunca. A última vez que lá foi a interpretação de caracteres finou-se e li por lá o que se segue nas condições que reproduzo:
"Adufe estéreo
O Adufe inventou a estereofonia na blogosfera. Ouve-se aqui e aqui.
Há umas semanas que andava a pensar no mesmo, maioritariamente por questões estéticas - os blogues da Weblog são bem mais bonitos.
Agora, preguiçosamente, vou esperar que o Adufe conte. Como foi? É muito difÃcil? Há vantagens técnicas?
Piada lateral só para irritar os do costume: e se, num gesto de anti-americanismo primário, abandonássemos todos (enfim, os do costume, topam?) o Blogger?
Segunda piada para irritar os mesmos: 28 anos depois, regressam as nacionalizações. Abaixo o capitalismo internacional, o imperalismo, o Blogspot e quem o apoiar."
Weblog.com.pt é agora ou nunca!
P.S.: Já está tudo bem em terras de Peter Pan. Obrigado pela referência :)
Terras do Nunca (act.)
Já me ri a valer com uma entrada do Terras do Nunca onde se diz que "O Adufe inventou a estereofonia na blogosfera.". Diz que vai aguardar pelo relato da minha experiência de migração para o domínio .pt via weblog. Mas parece que independentemente do relato que eu venha a fazer o BLOGGER fez das suas vitimando o Terras do Nunca. A última vez que lá foi a interpretação de caracteres finou-se e li por lá o que se segue nas condições que reproduzo:
"Adufe estéreo
O Adufe inventou a estereofonia na blogosfera. Ouve-se aqui e aqui.
Há umas semanas que andava a pensar no mesmo, maioritariamente por questões estéticas - os blogues da Weblog são bem mais bonitos.
Agora, preguiçosamente, vou esperar que o Adufe conte. Como foi? É muito difÃcil? Há vantagens técnicas?
Piada lateral só para irritar os do costume: e se, num gesto de anti-americanismo primário, abandonássemos todos (enfim, os do costume, topam?) o Blogger?
Segunda piada para irritar os mesmos: 28 anos depois, regressam as nacionalizações. Abaixo o capitalismo internacional, o imperalismo, o Blogspot e quem o apoiar."
Weblog.com.pt é agora ou nunca!
P.S.: Já está tudo bem em terras de Peter Pan. Obrigado pela referência :)
Reflexo de Adufe.pt
Faço minhas as suas palavras III
O Padre António Vieira disse uma vez que a Inquisição era uma fábrica de judeus. Hoje, se lhe quisermos seguir o exemplo e fazer algo de decente por nós e pelo próximo, a primeira coisa que temos de compreender é que o SEF, tal como está, é uma fábrica de ilegais. in Barnabé
Faço minhas as suas palavras III
O Padre António Vieira disse uma vez que a Inquisição era uma fábrica de judeus. Hoje, se lhe quisermos seguir o exemplo e fazer algo de decente por nós e pelo próximo, a primeira coisa que temos de compreender é que o SEF, tal como está, é uma fábrica de ilegais. in Barnabé
Reflexo de Adufe.pt
Os Tops
Reparei agora que ante-ontem (dia 21) este Adufe.pt foi o 15º blog mais visitados entre os que estão alojados no weblog.com.pt. De falta de ouvintes que vêm à prova não me posso queixar. Espero que voltem daqui a mais uns dias quando tiver a casa arrumadinha e poder oferecer um cházinho com torradas em condições. :)))
Bem hajam.
Os Tops
Reparei agora que ante-ontem (dia 21) este Adufe.pt foi o 15º blog mais visitados entre os que estão alojados no weblog.com.pt. De falta de ouvintes que vêm à prova não me posso queixar. Espero que voltem daqui a mais uns dias quando tiver a casa arrumadinha e poder oferecer um cházinho com torradas em condições. :)))
Bem hajam.
segunda-feira, setembro 22, 2003
Espelho de Adufe.pt
Blogo, ergo...
Como informa o Leonel, na América (EUA) já houve quem se chegasse à frente apresentando-se em campanha eleitoral na blogo-esfera.
Então e por cá? JPP à parte, quem acham que vai ser o primeiro político a atrever-se a expôr diariamente - ou quase - o seu pensamento "em blogue"?
Sujeitar-se-á ao contraditório? Provavelmente será da oposição esse novo navegante, mas quem? E de que forma? É só uma questão de tempo...
Blogo, ergo...
Como informa o Leonel, na América (EUA) já houve quem se chegasse à frente apresentando-se em campanha eleitoral na blogo-esfera.
Então e por cá? JPP à parte, quem acham que vai ser o primeiro político a atrever-se a expôr diariamente - ou quase - o seu pensamento "em blogue"?
Sujeitar-se-á ao contraditório? Provavelmente será da oposição esse novo navegante, mas quem? E de que forma? É só uma questão de tempo...
domingo, setembro 21, 2003
Espelho de Adufe.pt
A Espuma dos Dias
Estou em vias de vir aqui descarregar mais um camião com post que editei no Blogger de 2 de Julho até hoje. Deixo aqui só uma palavra de gratidão aos que estão a oferecer o seu apoio e conhecimentos para facilitar ou acelerar esta mudança (espreitem as caixas de comentários dos últimos post) e também à Sarah da Espuma dos Dias que, se não me engano, foi a primeira a dar outro tipo de apoio, precioso, que é de começar a passar a palavra com um link no seu blog para este novo endereço.
Obrigado. E agora maos à obra!
A Espuma dos Dias
Estou em vias de vir aqui descarregar mais um camião com post que editei no Blogger de 2 de Julho até hoje. Deixo aqui só uma palavra de gratidão aos que estão a oferecer o seu apoio e conhecimentos para facilitar ou acelerar esta mudança (espreitem as caixas de comentários dos últimos post) e também à Sarah da Espuma dos Dias que, se não me engano, foi a primeira a dar outro tipo de apoio, precioso, que é de começar a passar a palavra com um link no seu blog para este novo endereço.
Obrigado. E agora maos à obra!
Amigos...
Estou cada vez mais farto do Blogger.
Nos próximos tempos poderão aceder ao ADUFE neste endereço e também neste ADUFE.PT. Se se provar, como me têm dito, que o editor é mais estável, assim como todo o serviço, é provável que venha a abandonar o Blogger. Mas esse diagnóstico será feito mais adiante. De qualquer forma para quem quiser tomar nota já aqui deixei o novo endereço - a página no weblog está ainda em construção.
Estou cada vez mais farto do Blogger.
Nos próximos tempos poderão aceder ao ADUFE neste endereço e também neste ADUFE.PT. Se se provar, como me têm dito, que o editor é mais estável, assim como todo o serviço, é provável que venha a abandonar o Blogger. Mas esse diagnóstico será feito mais adiante. De qualquer forma para quem quiser tomar nota já aqui deixei o novo endereço - a página no weblog está ainda em construção.
sábado, setembro 20, 2003
New kid on the block
Promete este Mundo de Cláudia.
"The power of accurate observation is commonly called cynicism by those who have not got it. - George Bernard Shaw"
Aos poucos, amigos de fora aparecem nesta outra esfera. Ainda bem ;)
Promete este Mundo de Cláudia.
"The power of accurate observation is commonly called cynicism by those who have not got it. - George Bernard Shaw"
Aos poucos, amigos de fora aparecem nesta outra esfera. Ainda bem ;)
No ar!
I
“...finalmente música na antena, vejam se se lembram destas...
«Is this the real life, / is this just fantasy / Caught in a land-slide / No escapes from reality.»” * O som foi sem dúvida o que primeiro me atraiu para a rádio. Podia ter sido a cor do aparelho que estava lá no alto, no cimo da mesa da cozinha, podiam ter sido os inúmeros botões e manipulos que mal adivinhava, mas não, no início foi apenas o som. Era totalmente diferente dos que conhecia. Entretanto, vieram os livros de B.D., a escola, a brincadeira e a correria, os deliciosos anúncios na televisão e os desenhos animados... Durante algum tempo, a rádio permaneceu, apenas, vagamente presente. Fui crescendo e os botões do aparelho de rádio começaram a ser mais atraentes. Girar a rodinha de sintonização era extremamente divertido; adorava engasgar as vozes que ouvia e deturpar a música que tocavam com o ruído do espaço vazio da FM.
II
«I can’t seem to face up to the facts / I’m tense and nervous and I can’t relax / I can’t sleep ‘couse my bed’s on fire / don’t touch me I’m a real life wire!» *
Com o tempo, fui tendo cada vez mais liberdade para escolher e ditar qual a rádio a ouvir. Existindo apenas um rádio com FM em casa, tive que vencer as naturais resistências dos meus pais que, com as suas preferências já definidas, não viam qualquer sentido em errar pelas ondas. Ainda assim, consegui descobrir diferentes sons musicais, comecei a descobrir toda a informação que se fazia e, fundamentalmente, descobri maneiras totalmente diferentes de fazer rádio. Infelizmente, também não demorei muito tempo a descobrir que eram apenas quatro ou cinco as emissões nacionais. Então, comecei a reexplorar todos os botões do rádio e a conhecer novos “mares”. Acreditam que o que mais ouvi nessas frequências desconhecidas foi a conversa de pescadores portugueses e espanhois?! Nada de BBC, nem de Deutsch Wella, nem de Radio Luxembourg como prometiam as letras coloridas do mapa de sintonias, apenas um linguajar estranhíssimo entre comandantes de traineiras e emissões em código dignas dos ritmos “Dance Music”.
III
«Lembras-me uma marcha de Lisboa / num desfile singular / quem disse que há hora
e momento para se (...)»*
...Informar. No final da década de oitenta surgiram as “rádios piratas” e entre elas aquela que incontestavelmente deixaria a primeira grande marca de mudança no panorama rádiofónico nacional. Falo de uma emissora sediada em Lisboa que, como tantas outras, atravessou tormentas e tempestades e enfrentou batalhas quase ignoradas tendo conseguido, como poucas, chegar até hoje, com a essência do que lhe deu fascínio, ainda intacta : a TSF Rádio Jornal.
Os Dias da Rádio haviam regressado a Portugal, não só devido ao grande abanão dado pela TSF-RJ, nem à sã maluqueira dos brasileiros da Rádio Cidade, mas, fundamentalmente, devido às centenas de emissoras que surgiram como cogumelos um pouco por todo o país. Aliando a este factor o fenómeno paralelo da redescoberta da rádio pelo próprio ouvinte, esta viu relançado o seu papel na sociedade portuguesa, recuperando um lugar que fora perdendo, progressivamente, desde o aparecimento da televisão. Para o ouvinte, era espantoso ver aparecer um novo “pirata”, quase todos os dias, com as ideias mais incríveis, mostrando um enorme gozo no que estava a fazer.
Os meses foram passando e os atropelos de frequências sucederam-se mas, ainda antes do grande silêncio do natal de 88 - altura em que as emissões “piratas” foram proibidas- houve tempo para se ir compreendendo até que ponto pululavam trabalhos interessante, diferentes e desde logo notados como indispensáveis à rádio portuguesa.
IV
“...and if I die before I wake pray the lord my soul to take.” *
Certo dia de manhã, estava um rapazinho ainda deitado, gozando as férias e o finzinho dos seus 12 anos, quando ligou o recém adquirido radio a pilhas e viu mais do que a luz vermelha do aparelho, “viu” Lisboa a arder. Pulou da cama e correu para a cozinha ligando o, já velho, transistor “tamanho família”. E foi então que aconteceu uma coisa fantástica, pelo menos para uma criança de doze anos. Não haviam passado cinco minutos de empolgante e aterrador directo feito da zona do Chiado e o rádio começara literalmente a arder, sempre sem se calar. Imaginem o que passou pela cabeça deste inocente ouvinte! Só consta que tenha dito: “Fixe!”.
“If it be your will that I speak no more, and my voice be still as it was before; I will speak no more, I shall abide until I am spoken for, if it be your will.” *
A “pirataria” acabou e quando a lei foi escandalosamente reposta - quem estava atento então sabe ao que me refiro - os novos dias da rádio em Portugal estavam institucionalizados. Não mais deixei de ouvir a surpreendente TSF - que nem só de sínteses noticiosas se faz esta rádio, não senhor -, mas também nunca abandonei a minha alma de navegador errante. Actualmente colecciono pérolas na lutadora XFM [texto de 1995] e em qualquer outra emissora que me prenda nos breves segundos em que lhe faça abordagem no percurso dos 87.5 aos 108 Mhz.
V
“ I’d sit along and watch your light / my only friend through teenage night / and everything I had to know / I heard it all in my radio.” * Aí por volta dos 16 anos passei a fazer algo que conscientemente sempre recusara fazer: conhecer o mundo da música. Sempre ouvira música e ia já muito longe o primeiro arrepio na espinha que ela me provocara, posso até dizer que era mesmo um amante de música, mas totalmente desinteressado, mesmo da mais corriqueira intriga acerca desta ou daquela estrela pop. O que eu sei é que, desde então, tenho tido um gozo danado em redescobrir - porque muitas das vezes é disso que se trata - os grupos, cantores e músicos que encheram o ”eter” nos últimos vinte anos. Não raras vezes, tenho tido a surpresa espantosa de descobrir que, ainda que inconscientemente, tinha grupos e interpretes favoritos.
Mas nem só o aparelho auditivo “explodiu” com 16 anos, também a cabecinha começou a girar mais depressa. Interrogar, reflectir e explorar a informação que ia ouvindo pela rádio tornou-se um passatempo estimulante. Bem mais estimulante do que ler um livro, pensava eu - hoje evito a comparação.
A comparação que faço é entre a rádio de hoje e a que ouvia à 7, 8 anos. Na minha opinião, apesar dos muitos projectos já abortados, o balanço final, ou seja, o que é feito pelo ouvinte, só pode ser positivo. Neste momento, temos excelentes rádios generalistas, temos excelentes rádios especializadas, no fim de contas, temos emissões para todos os gostos. [1995] E digo isto, porque de entre os três grandes meios de comunicação social que me ocorrem - televisão, rádio e imprensa - este é, sem dúvida, o que, no seu processo de desenvolvimento, melhor preencheu todo o conjunto de eventuais «nichos de mercado» ao seu dispor. Em suma, foi o que melhor os detectou e foi o que demostrou melhor capacidade em os completar. Há, no entanto, uma grande nuvem negra que ameaça este cenário. Paradoxalmente, a indústria radiofónica esqueceu-se, até muito tarde, de algo que não escapou à preocupação dos outros dois meios de comunicação: a publicidade. Houve graves erros de gestão comercial em inúmeras rádios e, principalmente ao nível da publicidade radiofónica, chegou-se até a acreditar num esgotamento criativo que não estimulou nada o investimento dos anunciantes. Nesta altura e falando apenas como simples ouvinte, começo a ficar surpreendido com o humor e originalidade de alguns anúncios que surgem [1995]. Talvez o humor de qualidade não esteja longe de nós e uma escola de publicidade humorística radiofónica surja em Portugal - facto, em si, nada inédito na história da rádio mundial.
VI
No meu papel que é o de receptor, ouço rádio com um espírito profundamente crítico, tentando não perder de vista a capacidade de ser arrebatado pelo que recebo. E nesses momentos especiais lembro-me da magia particular de uma visão ingénua da rádio:
No ar!
Imagino um barco que navega suspenso sobre as ondas,
sempre no ar, sem as tocar...
Imagino-o a passar pela minha praia, cheio de gente!
Ainda não tenho histórias para contar...
Que se esconde por detrás daquelas vozes? Como é aquele olhar?
A rádio continua a gerar paixões e, se não acreditam, resigno-me a espicaçar o comum ouvinte que me lê a que descubra as pérolas no mar da rádio, porque as há, ainda que por vezes no mais insuspeito dos atóis. Descubram, inquietem-se, sobressaltem-se. Nunca somos demais.
* As frases em itálico são excertos de poemas de (por ordem de aparição):
Queen, “Bohemian Rapsody”; Talking Heads, “Psico Killer”; Trovante, “Memórias de um beijo” ; Leonard Cohen, “If it be your will”; Metallica, “Enter Sandman” - excerto da Oração da Noite praticada pela generalidade dos cristãos; Queen, “Radio GAGA”
Linha de Sintra, ao som da rádio, 11 de Setembro de 1995 (proto-blogue portanto)
*************************
Uma memória.
E depois surgiram os blogues...
Na altura em que escrevi este texto ouvia diariamente a Íntima Fracção, hoje recuperei essa paixão. Afastei-me sabendo sempre que no meio da noite estava lá um cantinho acolhedor, pleno de capacidade para provocar deslumbramento, apenas pelo som. Um cantinho de grandes janelas onde entrava, nesse entretanto, quase sempre de surpresa, quase sempre com comoção. Imaginando por vezes o além da voz, imaginando quem partilhava esta intimidade nos seus outros cantos...
Pouco para dizer, muito para escutar, tudo para ouvir. A Cristina Fernandes e o Mário Filipe tomaram a iniciativa de tentar coleccionar ideias para a continuidade da Íntima Fracção. No meio da noite não é o silêncio... é o barulho do coração
I
“...finalmente música na antena, vejam se se lembram destas...
«Is this the real life, / is this just fantasy / Caught in a land-slide / No escapes from reality.»” * O som foi sem dúvida o que primeiro me atraiu para a rádio. Podia ter sido a cor do aparelho que estava lá no alto, no cimo da mesa da cozinha, podiam ter sido os inúmeros botões e manipulos que mal adivinhava, mas não, no início foi apenas o som. Era totalmente diferente dos que conhecia. Entretanto, vieram os livros de B.D., a escola, a brincadeira e a correria, os deliciosos anúncios na televisão e os desenhos animados... Durante algum tempo, a rádio permaneceu, apenas, vagamente presente. Fui crescendo e os botões do aparelho de rádio começaram a ser mais atraentes. Girar a rodinha de sintonização era extremamente divertido; adorava engasgar as vozes que ouvia e deturpar a música que tocavam com o ruído do espaço vazio da FM.
II
«I can’t seem to face up to the facts / I’m tense and nervous and I can’t relax / I can’t sleep ‘couse my bed’s on fire / don’t touch me I’m a real life wire!» *
Com o tempo, fui tendo cada vez mais liberdade para escolher e ditar qual a rádio a ouvir. Existindo apenas um rádio com FM em casa, tive que vencer as naturais resistências dos meus pais que, com as suas preferências já definidas, não viam qualquer sentido em errar pelas ondas. Ainda assim, consegui descobrir diferentes sons musicais, comecei a descobrir toda a informação que se fazia e, fundamentalmente, descobri maneiras totalmente diferentes de fazer rádio. Infelizmente, também não demorei muito tempo a descobrir que eram apenas quatro ou cinco as emissões nacionais. Então, comecei a reexplorar todos os botões do rádio e a conhecer novos “mares”. Acreditam que o que mais ouvi nessas frequências desconhecidas foi a conversa de pescadores portugueses e espanhois?! Nada de BBC, nem de Deutsch Wella, nem de Radio Luxembourg como prometiam as letras coloridas do mapa de sintonias, apenas um linguajar estranhíssimo entre comandantes de traineiras e emissões em código dignas dos ritmos “Dance Music”.
III
«Lembras-me uma marcha de Lisboa / num desfile singular / quem disse que há hora
e momento para se (...)»*
...Informar. No final da década de oitenta surgiram as “rádios piratas” e entre elas aquela que incontestavelmente deixaria a primeira grande marca de mudança no panorama rádiofónico nacional. Falo de uma emissora sediada em Lisboa que, como tantas outras, atravessou tormentas e tempestades e enfrentou batalhas quase ignoradas tendo conseguido, como poucas, chegar até hoje, com a essência do que lhe deu fascínio, ainda intacta : a TSF Rádio Jornal.
Os Dias da Rádio haviam regressado a Portugal, não só devido ao grande abanão dado pela TSF-RJ, nem à sã maluqueira dos brasileiros da Rádio Cidade, mas, fundamentalmente, devido às centenas de emissoras que surgiram como cogumelos um pouco por todo o país. Aliando a este factor o fenómeno paralelo da redescoberta da rádio pelo próprio ouvinte, esta viu relançado o seu papel na sociedade portuguesa, recuperando um lugar que fora perdendo, progressivamente, desde o aparecimento da televisão. Para o ouvinte, era espantoso ver aparecer um novo “pirata”, quase todos os dias, com as ideias mais incríveis, mostrando um enorme gozo no que estava a fazer.
Os meses foram passando e os atropelos de frequências sucederam-se mas, ainda antes do grande silêncio do natal de 88 - altura em que as emissões “piratas” foram proibidas- houve tempo para se ir compreendendo até que ponto pululavam trabalhos interessante, diferentes e desde logo notados como indispensáveis à rádio portuguesa.
IV
“...and if I die before I wake pray the lord my soul to take.” *
Certo dia de manhã, estava um rapazinho ainda deitado, gozando as férias e o finzinho dos seus 12 anos, quando ligou o recém adquirido radio a pilhas e viu mais do que a luz vermelha do aparelho, “viu” Lisboa a arder. Pulou da cama e correu para a cozinha ligando o, já velho, transistor “tamanho família”. E foi então que aconteceu uma coisa fantástica, pelo menos para uma criança de doze anos. Não haviam passado cinco minutos de empolgante e aterrador directo feito da zona do Chiado e o rádio começara literalmente a arder, sempre sem se calar. Imaginem o que passou pela cabeça deste inocente ouvinte! Só consta que tenha dito: “Fixe!”.
“If it be your will that I speak no more, and my voice be still as it was before; I will speak no more, I shall abide until I am spoken for, if it be your will.” *
A “pirataria” acabou e quando a lei foi escandalosamente reposta - quem estava atento então sabe ao que me refiro - os novos dias da rádio em Portugal estavam institucionalizados. Não mais deixei de ouvir a surpreendente TSF - que nem só de sínteses noticiosas se faz esta rádio, não senhor -, mas também nunca abandonei a minha alma de navegador errante. Actualmente colecciono pérolas na lutadora XFM [texto de 1995] e em qualquer outra emissora que me prenda nos breves segundos em que lhe faça abordagem no percurso dos 87.5 aos 108 Mhz.
V
“ I’d sit along and watch your light / my only friend through teenage night / and everything I had to know / I heard it all in my radio.” * Aí por volta dos 16 anos passei a fazer algo que conscientemente sempre recusara fazer: conhecer o mundo da música. Sempre ouvira música e ia já muito longe o primeiro arrepio na espinha que ela me provocara, posso até dizer que era mesmo um amante de música, mas totalmente desinteressado, mesmo da mais corriqueira intriga acerca desta ou daquela estrela pop. O que eu sei é que, desde então, tenho tido um gozo danado em redescobrir - porque muitas das vezes é disso que se trata - os grupos, cantores e músicos que encheram o ”eter” nos últimos vinte anos. Não raras vezes, tenho tido a surpresa espantosa de descobrir que, ainda que inconscientemente, tinha grupos e interpretes favoritos.
Mas nem só o aparelho auditivo “explodiu” com 16 anos, também a cabecinha começou a girar mais depressa. Interrogar, reflectir e explorar a informação que ia ouvindo pela rádio tornou-se um passatempo estimulante. Bem mais estimulante do que ler um livro, pensava eu - hoje evito a comparação.
A comparação que faço é entre a rádio de hoje e a que ouvia à 7, 8 anos. Na minha opinião, apesar dos muitos projectos já abortados, o balanço final, ou seja, o que é feito pelo ouvinte, só pode ser positivo. Neste momento, temos excelentes rádios generalistas, temos excelentes rádios especializadas, no fim de contas, temos emissões para todos os gostos. [1995] E digo isto, porque de entre os três grandes meios de comunicação social que me ocorrem - televisão, rádio e imprensa - este é, sem dúvida, o que, no seu processo de desenvolvimento, melhor preencheu todo o conjunto de eventuais «nichos de mercado» ao seu dispor. Em suma, foi o que melhor os detectou e foi o que demostrou melhor capacidade em os completar. Há, no entanto, uma grande nuvem negra que ameaça este cenário. Paradoxalmente, a indústria radiofónica esqueceu-se, até muito tarde, de algo que não escapou à preocupação dos outros dois meios de comunicação: a publicidade. Houve graves erros de gestão comercial em inúmeras rádios e, principalmente ao nível da publicidade radiofónica, chegou-se até a acreditar num esgotamento criativo que não estimulou nada o investimento dos anunciantes. Nesta altura e falando apenas como simples ouvinte, começo a ficar surpreendido com o humor e originalidade de alguns anúncios que surgem [1995]. Talvez o humor de qualidade não esteja longe de nós e uma escola de publicidade humorística radiofónica surja em Portugal - facto, em si, nada inédito na história da rádio mundial.
VI
No meu papel que é o de receptor, ouço rádio com um espírito profundamente crítico, tentando não perder de vista a capacidade de ser arrebatado pelo que recebo. E nesses momentos especiais lembro-me da magia particular de uma visão ingénua da rádio:
No ar!
Imagino um barco que navega suspenso sobre as ondas,
sempre no ar, sem as tocar...
Imagino-o a passar pela minha praia, cheio de gente!
Ainda não tenho histórias para contar...
Que se esconde por detrás daquelas vozes? Como é aquele olhar?
A rádio continua a gerar paixões e, se não acreditam, resigno-me a espicaçar o comum ouvinte que me lê a que descubra as pérolas no mar da rádio, porque as há, ainda que por vezes no mais insuspeito dos atóis. Descubram, inquietem-se, sobressaltem-se. Nunca somos demais.
* As frases em itálico são excertos de poemas de (por ordem de aparição):
Queen, “Bohemian Rapsody”; Talking Heads, “Psico Killer”; Trovante, “Memórias de um beijo” ; Leonard Cohen, “If it be your will”; Metallica, “Enter Sandman” - excerto da Oração da Noite praticada pela generalidade dos cristãos; Queen, “Radio GAGA”
Linha de Sintra, ao som da rádio, 11 de Setembro de 1995 (proto-blogue portanto)
*************************
Uma memória.
E depois surgiram os blogues...
Na altura em que escrevi este texto ouvia diariamente a Íntima Fracção, hoje recuperei essa paixão. Afastei-me sabendo sempre que no meio da noite estava lá um cantinho acolhedor, pleno de capacidade para provocar deslumbramento, apenas pelo som. Um cantinho de grandes janelas onde entrava, nesse entretanto, quase sempre de surpresa, quase sempre com comoção. Imaginando por vezes o além da voz, imaginando quem partilhava esta intimidade nos seus outros cantos...
Pouco para dizer, muito para escutar, tudo para ouvir. A Cristina Fernandes e o Mário Filipe tomaram a iniciativa de tentar coleccionar ideias para a continuidade da Íntima Fracção. No meio da noite não é o silêncio... é o barulho do coração
A blogoesfera portuguesa acabou
"(...) É o caso do blog Muito Mentiroso. O autor desta página aproveita a total liberdade de expressão oferecida pela net para «libertar» «informações» (?) polémicas sobre o processo Casa Pia (...)"
A jornalista Patrícia Maia (TSF), duvida, não mais do que isso, que o que surge no MM seja notícia. Oferece-nos um ponto de interrogação adiante de umas «informações» entre aspas. A Patrícia é jornalista: o que vem no MM só é notícia se a Patrícia o confirmar. É notícia Patrícia Maia? Se não é, ou não sabe, o que é isto que oferece ao público? Para que é serve ser-se jornalista?
Por cada vez que se toca a campainha morre um mandarim na China. Mas será que morre mesmo? Deixa-me cá tocar...
O que interessa mesmo é o MM.
Vejo o MM no emprego, vem por mail ou em papel. Curiosamente toda a gente lê, do miúdo ao graúdo. Vejo o MM no autocarro, várias vezes ao dia. Até já vi o MM na valeta, abandonado por um qualquer.
Leiam todos o MM. Uma vez. Só uma vez. E depois parem um bocadinho e pensem bem. Pensem muito bem porque é que querem voltar lá, ou porque é que não querem voltar lá. Pensem bem no que é que leram. Imaginem-se não só leitores. Imaginem-se notícia. E depois, que tal escreverem sobre o que pensaram? O MM é bom? É mau? Porquê? Podem até pôr as palavras num blogue. No final discutam as ideias dos outros, sobre o MM. Se o fizerem têm boas probabilidades de ficar vacinados. É só um conselho que vos empresto.
"(...) É o caso do blog Muito Mentiroso. O autor desta página aproveita a total liberdade de expressão oferecida pela net para «libertar» «informações» (?) polémicas sobre o processo Casa Pia (...)"
A jornalista Patrícia Maia (TSF), duvida, não mais do que isso, que o que surge no MM seja notícia. Oferece-nos um ponto de interrogação adiante de umas «informações» entre aspas. A Patrícia é jornalista: o que vem no MM só é notícia se a Patrícia o confirmar. É notícia Patrícia Maia? Se não é, ou não sabe, o que é isto que oferece ao público? Para que é serve ser-se jornalista?
Por cada vez que se toca a campainha morre um mandarim na China. Mas será que morre mesmo? Deixa-me cá tocar...
O que interessa mesmo é o MM.
Vejo o MM no emprego, vem por mail ou em papel. Curiosamente toda a gente lê, do miúdo ao graúdo. Vejo o MM no autocarro, várias vezes ao dia. Até já vi o MM na valeta, abandonado por um qualquer.
Leiam todos o MM. Uma vez. Só uma vez. E depois parem um bocadinho e pensem bem. Pensem muito bem porque é que querem voltar lá, ou porque é que não querem voltar lá. Pensem bem no que é que leram. Imaginem-se não só leitores. Imaginem-se notícia. E depois, que tal escreverem sobre o que pensaram? O MM é bom? É mau? Porquê? Podem até pôr as palavras num blogue. No final discutam as ideias dos outros, sobre o MM. Se o fizerem têm boas probabilidades de ficar vacinados. É só um conselho que vos empresto.
sexta-feira, setembro 19, 2003
Faço minhas as suas palavras II
3 dias: Uma procuradora sueca pediu o prolongamento da prisão preventiva do suspeito de ter assassinado a Ministra dos Negócios Estrangeiros Anna Lindh. O suspeito está preso há três dias, esgotando-se hoje o prazo máximo da prisão preventiva permitida na Suécia. Por aguardarem os resultados dos testes de ADN do suspeito, as autoridades suecas solicitaram o prolongamento especial da prisão preventiva que, em todo o caso, não poderá ultrapassar as duas semanas. Repito: são três dias, no máximo duas semanas. MVS
in País Relativo
3 dias: Uma procuradora sueca pediu o prolongamento da prisão preventiva do suspeito de ter assassinado a Ministra dos Negócios Estrangeiros Anna Lindh. O suspeito está preso há três dias, esgotando-se hoje o prazo máximo da prisão preventiva permitida na Suécia. Por aguardarem os resultados dos testes de ADN do suspeito, as autoridades suecas solicitaram o prolongamento especial da prisão preventiva que, em todo o caso, não poderá ultrapassar as duas semanas. Repito: são três dias, no máximo duas semanas. MVS
in País Relativo
Carlos Vaz Marques publicou o seguinte no Outro, Eu:
MM A SIC, no Jornal da Noite, acaba de dar destaque à existência do blogue de denúncias anónimas sobre o processo Casa Pia. Pedimos desculpa por esta interrupção, o jornalismo segue dentro de momentos.
Eu acrescento: E se nas notícias da SIC o calibre das fontes for o mesmo?...
Esta dúvida parece-me agora mais razoável.
MM A SIC, no Jornal da Noite, acaba de dar destaque à existência do blogue de denúncias anónimas sobre o processo Casa Pia. Pedimos desculpa por esta interrupção, o jornalismo segue dentro de momentos.
Eu acrescento: E se nas notícias da SIC o calibre das fontes for o mesmo?...
Esta dúvida parece-me agora mais razoável.
Fly on a Windshield.
There's something solid forming in the air,
And the wall of death is lowered in Times Square.
No-one seems to care,
They carry on as if nothing was there.
The wind is blowing harder now,
Blowing dust into my eyes.
The dust settles on my skin,
Making a crust I cannot move in
And I'm hovering like a fly, waiting for the windshield on the freeway.
"The Lamb Lies Down on Broadway Lyrics", Genesis, 1975
There's something solid forming in the air,
And the wall of death is lowered in Times Square.
No-one seems to care,
They carry on as if nothing was there.
The wind is blowing harder now,
Blowing dust into my eyes.
The dust settles on my skin,
Making a crust I cannot move in
And I'm hovering like a fly, waiting for the windshield on the freeway.
"The Lamb Lies Down on Broadway Lyrics", Genesis, 1975
quinta-feira, setembro 18, 2003
Outono / Inverno 94
No Jardim do Campo Pequeno
Que tarde mais chocha, esta!
Nem chuva, nem sol; não está calor, nem frio; só cinzentos ou acastanhados.
Apenas um ventinho maroto vai desguedelhando e empurrando às rajadas os que passam pelo jardim.
Visto aqui dum banco bem no meio, o jardim parece uma ténue ilhazinha que termina a poucos metros, na primeira barragem de automóveis estacionados que o cercam. De facto, é difícil imaginar um jardim, mesmo daqui. Ainda assim, num intervalo entre dois aviões, as copas dos jacarandás e das restantes árvores lá nos vão dando a ilusão desejada de infinitude que hoje se resume ao espesso cinzento, facilmente depressivo.
Mato o tempo com bocejos sucessivos; olho para todos os lados menos para o livro que me ocupa as mãos. Ainda tenho mais quarenta minutos de espera pela frente. Tomo consciência do livro e agarro-me a ele com ganas de o devorar procurando uma fuga absorvente: ora onde é que eu deixei o Gineto...
- Dá-me licença? - Com uma sonora e inesperada interpelação sou retirado bruscamente do torpor a que me começava a entregar. Trata-se dum indivíduo de estatura média, magro, cabelo fraco, de rosto bem vincado por alguns pontos de tensão frequentes; para aí na casa dos quarenta. Ora essa! respondo, enquanto ajeito os cadernos com que ocupava a metade esquerda do banco. O indivíduo senta-se, cruza as pernas, acende um cigarro e assim fica algum tempo, olhando a avenida do outro lado, tendo sempre o cuidado de desviar o escape para bem longe de mim. Olho-o de soslaio e parece-me muito triste. Não vislumbrando sequência para a impetuosidade da interpelação, regresso ao meu livro, mas...
- Olhe para aquilo! Um gato pingado com uma ventoinha de arame a cortar a relva! E mais! Olhe para o que alí vem, duas marafonas, duas baleias! Como é que põem gente desta a tratar dos nossos jardins! E olhe que não é por serem de cor, pois os meus melhores amigos são pretos, mas trazerem imigrantes que nem o português sabem falar e que levam quase três horas a limpar este dedal! Sinceramente! Ah! Quando eu me lembro do antigamente! Os jardineiros, fique sabendo, eram às centenas. E os jardins... Eram autênticas obras de arte! Desde a Praça do Império ao Campo Grande. Não é preciso ir mais longe, este jardinzinho aqui, era um brinco! Mas desculpe estar assim a aborrece-lo, é que uma pessoa tem que desabafar, senão... ainda faz alguma asneira! Desculpe. É estudante, não é? Queira desculpar o desabafo.
Ainda meio apalermado com a nova tirada, repito-me com mais um “ora essa” acompanhado por um sorriso de cortesia. Insisto na leitura mas a irrequietude que ia ali à minha esquerda não agourava um futuro recatado. Fecho o livro e espero a nova intervenção, disposto a alinhar. Agora que bem penso, sempre quis saber o que dizem dois estranho que se encontram assim num banco de jardim.
- Desculpe lá chateá-lo outra vez ...
- Qual chatice! Para ser sincero, estava aqui a desperdiçar páginas do livro... Diga lá.
- O senhor é jovem e certamente já ouviu falar como isto era antes do 25 de Abril, não é verdade? Pois bem, não quero que pense que eu gostava do Salazar e da ditadura, mas há coisas que não há meio de voltarem a ser, pelo menos, tão boas como dantes! Olhe a segurança, por exemplo! Quase toda a gente tem medo de sair à noite. Eu, por exemplo, nunca saio à noite sem a minha Mauzer. Ainda o ano passado, numa noite, por volta das dez, dois putos tentaram assaltar-me aqui mesmo no jardim. Olhe, foi ali naquele banco. Um fica de atalaia por estas bandas e o outro aproxima-se e pede-me um cigarro. Mostro-lhe a pistola e pergunto-lhe se não quer fumar um bocadinho do meu «charuto». Não é que se põe a correr aos berros pela avenida a baixo? O outro apanhou tal cagaço com a cena que se estatelou no chão quando fugia ali para ao pé da praça de touros. Ha! Ha!... Mas já viu se eu não estivesse armado?
- Desculpe lá interrompê-lo, mas se todos usássemos armas era capaz de ser um bocado mais perigoso...
- Bem, bem, mas eu andei na tropa e tenho licença... Gosta de filmes do Charles Bronson? Aquele que faz quase sempre se mau? Conhece? Pois é, já reparou como só acerta nos que é preciso? Nunca falha! Se houvessem dois ou três como ele... Um ali no Parque Eduardo Sétimo, outro na Avenida da Liberdade... Era uma limpeza. Bem sei que é um exagero, mas pelo menos a polícia a cavalo, caramba! Dantes era um respeitinho.
- Nem as moscas voavam sem autorização, segundo creio...
- De facto, era uma ditadura e pronto! E também eram tempos difíceis... Não desvalorizo os problemas de hoje, logo os dos jovens, a incerteza, o desemprego... Mas olhe que eu também passei um mau bocado. Nasci ali em Alfama, conhece? Não tive brinquedos, nem a quarta classe acabei... Bem vê, éramos quatro irmãos, a minha mãe sempre a conheci prenhe e meu pai sempre grosso, uma besta, o desgraçado! Era um bufo, passava a vida em cafés e bares a tentar apanhar... enfim, descontentes com o regime. Trabalhava para o Nove Dedos e outros como ele, fazia todo o tipo de imundices. Que disparate! O senhor não deve estar a perceber nada, não é? O Nove Dedos era um pide, aliás, era o Pide mais conhecido da ci-da-de. O terror em pessoa. Acredita que o tipo engraçou comigo?! Andava sempre a perguntar-me como ia a escola. Até me dava uns trocados sem que eu lhe pedisse! Vá se lá saber porquê. O meu pai é que não me ligava nenhuma. Com ele era matemático: chapa ganha, chapa gasta. Putas e vinho verde, como se costuma dizer. Já viu, quatro crianças, a mãe grávida: uma miséria. Um dia chegou completamente louco a casa e começou a arrear na minha mãe, mesmo assim, naquele estado! Fui aos arames, devia ter onze anos, mas já tinha a escola toda, atirei-me a ele e parti-lhe a cara! É verdade. Depois pirei-me o mais depressa que pude. Só voltei a pôr os pés em casa outra vez no dia seguinte. Apanhei-o fora e fui buscar roupa, desde então nunca mais. Cá me safei, vim viver para casa da minha prima Alzira que era porteira dum prédio aqui na avenida, arranjei trabalho a servir numa tasca em Santa Apolónia e fui-me desenrascando. Um dia a besta do meu pai apareceu por lá... O senhor acredita que ele nem me reconheceu? Pode crer! Imagine como ele ia! Foi a última vez que o vi. Dias depois, soube que lhe deram um tiro ali para a Rua dos Remédios. Deus me perdoe, mas foi um bem que veio ao mundo. Um mês mais tarde, chegou a vez da minha mãe. Morreu do parto do meu quinto irmão. Valeu-nos a prima Alzira, outra vez, que Deus a tenha. À excepção da minha irmã mais velha que se amigou de um marujo e foi viver para a terra dele, levando o nosso irmão mais novo, veio tudo recambiado aqui para a Avenida de República. Mas já o estou a maçar, não é?
- Não ligue. Isto é só sono, é que já estou a pé desde as seis. Continue, por favor.
- Pois também eu, desde que trabalho aqui no BISCA, vai para vinte anos. Comecei como segurança no Banco, fui concorrendo e hoje sou assistente do director. Outros tempos, quanto a isto pode estar certo que já foi chão que deu uvas: sem o décimo segundo ano, pelo menos, não chega a lado nenhum e mesmo assim... Continue a estudar que faz muito bem. Isto é um mundo de cão. Olhe, estive casado dez anos e não tive filhos por causa destas guerras e deste mundo de cão. É preciso ser muito... É a minha opinião: não tenho coragem de pôr um filho neste mundo! Para quê? Gente a mais já nós temos. Veja só aquela marafona, tanto arrastou o sacos das folhas secas que o rasgou! Lindo chiqueiro! Ai Sampaio, Sampaio! Mas onde é que eu ia...
- A sua mãe tinha falecido e...
- Já me lembro. Estivemos com a prima Alzira nove anos até que ela morreu no metro. Foi do coração. Assaltaram-na e ela morreu com o susto. Mas o gatuno também teve a sua conta! Alguém o atirou para a linha e não morreu passado a ferro porque assou antes do tempo - breve pausa. Hoje vivo com a minha irmã mais nova aqui na João XXI. Sabe, no entretanto ainda passámos mal, foi até eu ter arranjado emprego aqui no BISCA. Estivemos alguns anos a viver numa espelunca no Poço do Negros. Olhe, foi aí que fiz os meus amigos cabo-verdianos. Um amor de gente. Mas pronto, cá estamos. Felizmente hoje não tenho razões de queixa da vida. O que me enerva é o que vejo à nossa volta, esta falsidade, a malandragem... Ah! Vale tudo menos tirar olhos e, mesmo assim, qualquer dia até isso!
- Tirar olhos?!
- Sim senhor! Talvez para transplantar! - risos. Esses canalhas mereciam era todos um balázio nos cornos. Mesmo que os apanhem, ao fim de dois ou três anos andam aí pelos jardins a fazer-nos companhia. Sabe, eu nunca fui de direita, mas esse tipo, o Monteiro, diz uma boas verdades. Diz, sim senhor. A única coisa que me vai valendo para animar é o Ceportengue. Eu cheguei a jogar futebol lá numa filial do Ceporteungue, em Alfama, e não era mau de todo, mas já pode imaginar, com esta vida... O meu divertimento quando não tinha dinheiro para ir ao estádio era escrever o relato nuns papelinhos. Ouvia o rádio e depois escrevia à minha maneira. O Ti João da mercearia dava-me lápis, eu arranjava o papel, escrevia e depois relatava o jogo para ele e para a malta lá da rua. De inverno, quando não podíamos jogar, eu era o rei. Juntavam-se no átrio da igreja para ouvirem o meu relato. Como se diz...? Enternecedor! Era enternecedor. Acabávamos quase sempre à porrada porque arranjava maneira de o Ceportengue ganhar todas! - risos. Mas era na reinação, até o senhor prior se divertia connosco.
- Pois eu também sou do Ceportengue.
- Grande clube, não haja dúvidas. Como é o Benfica e o Porto e outros, mas o Ceportengue é o Ceportengue, não é verdade? Aquele verde...
- A esperança! Viva o Ceportengue! Bom está na minha hora, senhor...
- João Tuna, João Tuna Oliveira, mas tome lá um cartão. Andei a gastar dinheiro com isto, tenho que os pôr a uso!
- Muito obrigado. Olhe não tenho para a troca... O meu nome é Rui Manuel, Rui Manuel Cerejeira. Foi um prazer.
- Muito obrigado eu ! Mais uma vez, desculpe a maçada.
- Ora essa! Então boa tarde.
- Felicidades!
Afasto-me do Jardim e rumo para a minha aula de condução, naturalmente com o senhor João Tuna em mente. Olho para o cartão e reparo que o verso está quase completamente negro. Assim que o primeiro raio encandeador de sol deste dia se esgotou, pude perceber que tinha nas mãos um relato de um jogo do Ceportengue, escrito numa caligrafia minúscula, quase ilegível. Mas dava para entender que acabava bem: era o Ceportengue que ganhava ao Porto com um golo no último minuto.
Enquanto esperava que abrissem a porta do prédio da escola de condução ainda vislumbrei a figura esguia de João Tuna a atravessar a João XXI, calmamente, de mãos nos bolsos, imensamente triste.
******************
(Prot-blogue escrito há 9 anos - resisti em fazer-lhe afinações, perdoem-me. Esta Lisboa que eu amo...)
No Jardim do Campo Pequeno
Que tarde mais chocha, esta!
Nem chuva, nem sol; não está calor, nem frio; só cinzentos ou acastanhados.
Apenas um ventinho maroto vai desguedelhando e empurrando às rajadas os que passam pelo jardim.
Visto aqui dum banco bem no meio, o jardim parece uma ténue ilhazinha que termina a poucos metros, na primeira barragem de automóveis estacionados que o cercam. De facto, é difícil imaginar um jardim, mesmo daqui. Ainda assim, num intervalo entre dois aviões, as copas dos jacarandás e das restantes árvores lá nos vão dando a ilusão desejada de infinitude que hoje se resume ao espesso cinzento, facilmente depressivo.
Mato o tempo com bocejos sucessivos; olho para todos os lados menos para o livro que me ocupa as mãos. Ainda tenho mais quarenta minutos de espera pela frente. Tomo consciência do livro e agarro-me a ele com ganas de o devorar procurando uma fuga absorvente: ora onde é que eu deixei o Gineto...
- Dá-me licença? - Com uma sonora e inesperada interpelação sou retirado bruscamente do torpor a que me começava a entregar. Trata-se dum indivíduo de estatura média, magro, cabelo fraco, de rosto bem vincado por alguns pontos de tensão frequentes; para aí na casa dos quarenta. Ora essa! respondo, enquanto ajeito os cadernos com que ocupava a metade esquerda do banco. O indivíduo senta-se, cruza as pernas, acende um cigarro e assim fica algum tempo, olhando a avenida do outro lado, tendo sempre o cuidado de desviar o escape para bem longe de mim. Olho-o de soslaio e parece-me muito triste. Não vislumbrando sequência para a impetuosidade da interpelação, regresso ao meu livro, mas...
- Olhe para aquilo! Um gato pingado com uma ventoinha de arame a cortar a relva! E mais! Olhe para o que alí vem, duas marafonas, duas baleias! Como é que põem gente desta a tratar dos nossos jardins! E olhe que não é por serem de cor, pois os meus melhores amigos são pretos, mas trazerem imigrantes que nem o português sabem falar e que levam quase três horas a limpar este dedal! Sinceramente! Ah! Quando eu me lembro do antigamente! Os jardineiros, fique sabendo, eram às centenas. E os jardins... Eram autênticas obras de arte! Desde a Praça do Império ao Campo Grande. Não é preciso ir mais longe, este jardinzinho aqui, era um brinco! Mas desculpe estar assim a aborrece-lo, é que uma pessoa tem que desabafar, senão... ainda faz alguma asneira! Desculpe. É estudante, não é? Queira desculpar o desabafo.
Ainda meio apalermado com a nova tirada, repito-me com mais um “ora essa” acompanhado por um sorriso de cortesia. Insisto na leitura mas a irrequietude que ia ali à minha esquerda não agourava um futuro recatado. Fecho o livro e espero a nova intervenção, disposto a alinhar. Agora que bem penso, sempre quis saber o que dizem dois estranho que se encontram assim num banco de jardim.
- Desculpe lá chateá-lo outra vez ...
- Qual chatice! Para ser sincero, estava aqui a desperdiçar páginas do livro... Diga lá.
- O senhor é jovem e certamente já ouviu falar como isto era antes do 25 de Abril, não é verdade? Pois bem, não quero que pense que eu gostava do Salazar e da ditadura, mas há coisas que não há meio de voltarem a ser, pelo menos, tão boas como dantes! Olhe a segurança, por exemplo! Quase toda a gente tem medo de sair à noite. Eu, por exemplo, nunca saio à noite sem a minha Mauzer. Ainda o ano passado, numa noite, por volta das dez, dois putos tentaram assaltar-me aqui mesmo no jardim. Olhe, foi ali naquele banco. Um fica de atalaia por estas bandas e o outro aproxima-se e pede-me um cigarro. Mostro-lhe a pistola e pergunto-lhe se não quer fumar um bocadinho do meu «charuto». Não é que se põe a correr aos berros pela avenida a baixo? O outro apanhou tal cagaço com a cena que se estatelou no chão quando fugia ali para ao pé da praça de touros. Ha! Ha!... Mas já viu se eu não estivesse armado?
- Desculpe lá interrompê-lo, mas se todos usássemos armas era capaz de ser um bocado mais perigoso...
- Bem, bem, mas eu andei na tropa e tenho licença... Gosta de filmes do Charles Bronson? Aquele que faz quase sempre se mau? Conhece? Pois é, já reparou como só acerta nos que é preciso? Nunca falha! Se houvessem dois ou três como ele... Um ali no Parque Eduardo Sétimo, outro na Avenida da Liberdade... Era uma limpeza. Bem sei que é um exagero, mas pelo menos a polícia a cavalo, caramba! Dantes era um respeitinho.
- Nem as moscas voavam sem autorização, segundo creio...
- De facto, era uma ditadura e pronto! E também eram tempos difíceis... Não desvalorizo os problemas de hoje, logo os dos jovens, a incerteza, o desemprego... Mas olhe que eu também passei um mau bocado. Nasci ali em Alfama, conhece? Não tive brinquedos, nem a quarta classe acabei... Bem vê, éramos quatro irmãos, a minha mãe sempre a conheci prenhe e meu pai sempre grosso, uma besta, o desgraçado! Era um bufo, passava a vida em cafés e bares a tentar apanhar... enfim, descontentes com o regime. Trabalhava para o Nove Dedos e outros como ele, fazia todo o tipo de imundices. Que disparate! O senhor não deve estar a perceber nada, não é? O Nove Dedos era um pide, aliás, era o Pide mais conhecido da ci-da-de. O terror em pessoa. Acredita que o tipo engraçou comigo?! Andava sempre a perguntar-me como ia a escola. Até me dava uns trocados sem que eu lhe pedisse! Vá se lá saber porquê. O meu pai é que não me ligava nenhuma. Com ele era matemático: chapa ganha, chapa gasta. Putas e vinho verde, como se costuma dizer. Já viu, quatro crianças, a mãe grávida: uma miséria. Um dia chegou completamente louco a casa e começou a arrear na minha mãe, mesmo assim, naquele estado! Fui aos arames, devia ter onze anos, mas já tinha a escola toda, atirei-me a ele e parti-lhe a cara! É verdade. Depois pirei-me o mais depressa que pude. Só voltei a pôr os pés em casa outra vez no dia seguinte. Apanhei-o fora e fui buscar roupa, desde então nunca mais. Cá me safei, vim viver para casa da minha prima Alzira que era porteira dum prédio aqui na avenida, arranjei trabalho a servir numa tasca em Santa Apolónia e fui-me desenrascando. Um dia a besta do meu pai apareceu por lá... O senhor acredita que ele nem me reconheceu? Pode crer! Imagine como ele ia! Foi a última vez que o vi. Dias depois, soube que lhe deram um tiro ali para a Rua dos Remédios. Deus me perdoe, mas foi um bem que veio ao mundo. Um mês mais tarde, chegou a vez da minha mãe. Morreu do parto do meu quinto irmão. Valeu-nos a prima Alzira, outra vez, que Deus a tenha. À excepção da minha irmã mais velha que se amigou de um marujo e foi viver para a terra dele, levando o nosso irmão mais novo, veio tudo recambiado aqui para a Avenida de República. Mas já o estou a maçar, não é?
- Não ligue. Isto é só sono, é que já estou a pé desde as seis. Continue, por favor.
- Pois também eu, desde que trabalho aqui no BISCA, vai para vinte anos. Comecei como segurança no Banco, fui concorrendo e hoje sou assistente do director. Outros tempos, quanto a isto pode estar certo que já foi chão que deu uvas: sem o décimo segundo ano, pelo menos, não chega a lado nenhum e mesmo assim... Continue a estudar que faz muito bem. Isto é um mundo de cão. Olhe, estive casado dez anos e não tive filhos por causa destas guerras e deste mundo de cão. É preciso ser muito... É a minha opinião: não tenho coragem de pôr um filho neste mundo! Para quê? Gente a mais já nós temos. Veja só aquela marafona, tanto arrastou o sacos das folhas secas que o rasgou! Lindo chiqueiro! Ai Sampaio, Sampaio! Mas onde é que eu ia...
- A sua mãe tinha falecido e...
- Já me lembro. Estivemos com a prima Alzira nove anos até que ela morreu no metro. Foi do coração. Assaltaram-na e ela morreu com o susto. Mas o gatuno também teve a sua conta! Alguém o atirou para a linha e não morreu passado a ferro porque assou antes do tempo - breve pausa. Hoje vivo com a minha irmã mais nova aqui na João XXI. Sabe, no entretanto ainda passámos mal, foi até eu ter arranjado emprego aqui no BISCA. Estivemos alguns anos a viver numa espelunca no Poço do Negros. Olhe, foi aí que fiz os meus amigos cabo-verdianos. Um amor de gente. Mas pronto, cá estamos. Felizmente hoje não tenho razões de queixa da vida. O que me enerva é o que vejo à nossa volta, esta falsidade, a malandragem... Ah! Vale tudo menos tirar olhos e, mesmo assim, qualquer dia até isso!
- Tirar olhos?!
- Sim senhor! Talvez para transplantar! - risos. Esses canalhas mereciam era todos um balázio nos cornos. Mesmo que os apanhem, ao fim de dois ou três anos andam aí pelos jardins a fazer-nos companhia. Sabe, eu nunca fui de direita, mas esse tipo, o Monteiro, diz uma boas verdades. Diz, sim senhor. A única coisa que me vai valendo para animar é o Ceportengue. Eu cheguei a jogar futebol lá numa filial do Ceporteungue, em Alfama, e não era mau de todo, mas já pode imaginar, com esta vida... O meu divertimento quando não tinha dinheiro para ir ao estádio era escrever o relato nuns papelinhos. Ouvia o rádio e depois escrevia à minha maneira. O Ti João da mercearia dava-me lápis, eu arranjava o papel, escrevia e depois relatava o jogo para ele e para a malta lá da rua. De inverno, quando não podíamos jogar, eu era o rei. Juntavam-se no átrio da igreja para ouvirem o meu relato. Como se diz...? Enternecedor! Era enternecedor. Acabávamos quase sempre à porrada porque arranjava maneira de o Ceportengue ganhar todas! - risos. Mas era na reinação, até o senhor prior se divertia connosco.
- Pois eu também sou do Ceportengue.
- Grande clube, não haja dúvidas. Como é o Benfica e o Porto e outros, mas o Ceportengue é o Ceportengue, não é verdade? Aquele verde...
- A esperança! Viva o Ceportengue! Bom está na minha hora, senhor...
- João Tuna, João Tuna Oliveira, mas tome lá um cartão. Andei a gastar dinheiro com isto, tenho que os pôr a uso!
- Muito obrigado. Olhe não tenho para a troca... O meu nome é Rui Manuel, Rui Manuel Cerejeira. Foi um prazer.
- Muito obrigado eu ! Mais uma vez, desculpe a maçada.
- Ora essa! Então boa tarde.
- Felicidades!
Afasto-me do Jardim e rumo para a minha aula de condução, naturalmente com o senhor João Tuna em mente. Olho para o cartão e reparo que o verso está quase completamente negro. Assim que o primeiro raio encandeador de sol deste dia se esgotou, pude perceber que tinha nas mãos um relato de um jogo do Ceportengue, escrito numa caligrafia minúscula, quase ilegível. Mas dava para entender que acabava bem: era o Ceportengue que ganhava ao Porto com um golo no último minuto.
Enquanto esperava que abrissem a porta do prédio da escola de condução ainda vislumbrei a figura esguia de João Tuna a atravessar a João XXI, calmamente, de mãos nos bolsos, imensamente triste.
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(Prot-blogue escrito há 9 anos - resisti em fazer-lhe afinações, perdoem-me. Esta Lisboa que eu amo...)
Adufando perguntas III
Será que foi por causa do Pablo Doors que os Radiohead escreveram o "Pablo honey"?
de Nelson (numa caixa de comentários ali do fundo).
Recomenda-se que leiam o Post "O Circo" - mais abaixo - para melhor perceberem esta angústiada pergunta do Nelson.
Será que foi por causa do Pablo Doors que os Radiohead escreveram o "Pablo honey"?
de Nelson (numa caixa de comentários ali do fundo).
Recomenda-se que leiam o Post "O Circo" - mais abaixo - para melhor perceberem esta angústiada pergunta do Nelson.
Faço minhas as suas palavras I
(...)
Para que a cultura que se interiorizou na sociedade portuguesa – expressa na admiração que o justo nutre pelo pecador – não continue a encontrar conforto nas boas ou más intenções de um governo, é preciso que quem tem o poder e a responsabilidade de decisão faça uma escolha. Que opte entre a convicção de Marques Mendes e a reserva de José Luís Arnaut ao levantamento do sigilo bancário.
Ambos ministros de Durão Barroso, a quem se deve exigir uma resposta. Clara e inequívoca.
de Raul Vaz in Diário Económico
(...)
Para que a cultura que se interiorizou na sociedade portuguesa – expressa na admiração que o justo nutre pelo pecador – não continue a encontrar conforto nas boas ou más intenções de um governo, é preciso que quem tem o poder e a responsabilidade de decisão faça uma escolha. Que opte entre a convicção de Marques Mendes e a reserva de José Luís Arnaut ao levantamento do sigilo bancário.
Ambos ministros de Durão Barroso, a quem se deve exigir uma resposta. Clara e inequívoca.
de Raul Vaz in Diário Económico
quarta-feira, setembro 17, 2003
Adufando perguntas III
(...)
Esperemos para ver o que dá até 2010, diz o Dr. Barroso. Até lá, mais conversa sobre "produtividade" e "competitividade". E um "barómetro" para medir os putativos sucessos. A receita não medra, os nossos empresários também não crescem de " geração expontânea", a longa manus do Estado é o que se vê, e as famílias, que adoram gastar, vão começar a não achar graça nenhuma ao resultado. Mas também aqui não há qualquer problema. Na realidade, ninguém sabe onde é que isto vai parar. Nem julgo que verdadeiramente alguém se importe. Para quê?
in Portugal dos Pequeninos
(...)
Esperemos para ver o que dá até 2010, diz o Dr. Barroso. Até lá, mais conversa sobre "produtividade" e "competitividade". E um "barómetro" para medir os putativos sucessos. A receita não medra, os nossos empresários também não crescem de " geração expontânea", a longa manus do Estado é o que se vê, e as famílias, que adoram gastar, vão começar a não achar graça nenhuma ao resultado. Mas também aqui não há qualquer problema. Na realidade, ninguém sabe onde é que isto vai parar. Nem julgo que verdadeiramente alguém se importe. Para quê?
in Portugal dos Pequeninos
Imaginem que sou um apresentador de circo no meio da arena anunciando as atracções. Agora leiam.
O Circo
"Meninos e meninas. Senhores e senhoras...
O Cão de Guarda já tem tradução para inglês...
Os nossos artistas descobriram-lhe um herói... Um herói que se escondia nas suas linhas. O audaaaaaaz! O inemitaaaaável.... Paaaaablo Doooors!"
[Ora carreguem lá no novo link ali da esquerda chamado In English (almost) e leiam a tradução desta simples pergunta:
Quem é que imagina que Paulo Portas possa acreditar verdadeiramente no milagre de Nossa Senhora de Fátima?]
Qual Zorro, qual super mén, nós temos o inabalaaaaável Pablo Dooors!
O Circo
"Meninos e meninas. Senhores e senhoras...
O Cão de Guarda já tem tradução para inglês...
Os nossos artistas descobriram-lhe um herói... Um herói que se escondia nas suas linhas. O audaaaaaaz! O inemitaaaaável.... Paaaaablo Doooors!"
[Ora carreguem lá no novo link ali da esquerda chamado In English (almost) e leiam a tradução desta simples pergunta:
Quem é que imagina que Paulo Portas possa acreditar verdadeiramente no milagre de Nossa Senhora de Fátima?]
Qual Zorro, qual super mén, nós temos o inabalaaaaável Pablo Dooors!
Sweden
I would like to
Live in Sweden
When my work is done,
Where the snow lies
Crisp and even
'Neath the midnight sun.
Safe and
Clean and
Green and
Modern
Bright and breezy,
Free and easy.
Sweden,
Sweden,
Sweden,
In Sweden.
I am gonna
Live in Sweden,
Please don't ask me why,
For if I were to
Give a reason
It would be a lie.
Tall and
Strong and
Blonde and
Blue eyed
Pure and healthy,
Very wealthy.
Sweden,
Sweden,
Sweden,
In Sweden.
I'll grow wings and fly to Sweden
When my time is come.
Then at last my eyes shall see them -
Heroes everyone:
Ingmar Bergman,
Henrik Ibsen,
Karin Larsson,
Nina Persson.
Sweden,
Sweden,
Sweden
In Sweden.
The Divine Comedy in Fin de Siècle
PSsst.: Novo álbum talvez no ínicio de 2004 diz aqui.
Imigração em Portugal (act.)
Não é fácil estudar a imigração, particularmente em Portugal e, mais especificamente ainda, numa perspectiva de grandes número, abrangendo a totalidade do país, projectando impactos globais.
Várias razões concorrem para este facto e são sobejamente conhecidas da comunidade científica que se tem dedicado ao tema (demógrafos, sociólogos, geógrafos, economistas). É complicado traçar diagnósticos fiáveis que se traduzam em realidades quantificáveis, no entanto, é possível dizer alguma coisa e é indispensável tentar perceber o que se passa.
A ilegalidade, as lacunas do aparelho judicial e administrativo, o desleixo pela recolha de informação estatística de qualidade que proliferou durante anos contribuiram, entre outros, para as dificuldades que agora temos. No momento em que passamos a acolher mais do que a ser acolhidos, nesse fluxo cruzado que ocorre anualmente, a informação é vital. É um instrumento indispensável para evitar equívocos bem conhecidos e demasiado frequentes. Na minha ainda curta carreira tive a felicidade de abordar algumas destas questões tentado servir o interesse público.
Para quem se interesse sobre o assunto remeto-vos para dois artigos em que colaborei:
- um sobre padrões de mortalidade entre a população imigrante em Portugal cujo link aqui disponibilizo.
- e outro, bem mais aprofundado, sobre as características da população com antecedentes migratórios a residir em Portugal, elaborado no âmbito do Conselho da Europa.
Ficam os links possíveis (textos em inglês):
Portuguese immigration: An approach to the mortality patterns O mesmo artigo alojado em Portugal está aqui (exige registo prévio na Infoline do INE para se poder aceder).
The demographic characteristics of populations with an immigrant background in PORTUGAL
Não é fácil estudar a imigração, particularmente em Portugal e, mais especificamente ainda, numa perspectiva de grandes número, abrangendo a totalidade do país, projectando impactos globais.
Várias razões concorrem para este facto e são sobejamente conhecidas da comunidade científica que se tem dedicado ao tema (demógrafos, sociólogos, geógrafos, economistas). É complicado traçar diagnósticos fiáveis que se traduzam em realidades quantificáveis, no entanto, é possível dizer alguma coisa e é indispensável tentar perceber o que se passa.
A ilegalidade, as lacunas do aparelho judicial e administrativo, o desleixo pela recolha de informação estatística de qualidade que proliferou durante anos contribuiram, entre outros, para as dificuldades que agora temos. No momento em que passamos a acolher mais do que a ser acolhidos, nesse fluxo cruzado que ocorre anualmente, a informação é vital. É um instrumento indispensável para evitar equívocos bem conhecidos e demasiado frequentes. Na minha ainda curta carreira tive a felicidade de abordar algumas destas questões tentado servir o interesse público.
Para quem se interesse sobre o assunto remeto-vos para dois artigos em que colaborei:
- um sobre padrões de mortalidade entre a população imigrante em Portugal cujo link aqui disponibilizo.
- e outro, bem mais aprofundado, sobre as características da população com antecedentes migratórios a residir em Portugal, elaborado no âmbito do Conselho da Europa.
Ficam os links possíveis (textos em inglês):
Portuguese immigration: An approach to the mortality patterns O mesmo artigo alojado em Portugal está aqui (exige registo prévio na Infoline do INE para se poder aceder).
The demographic characteristics of populations with an immigrant background in PORTUGAL
Adufando perguntas II
(...)
1- Com a sua pertinente crítica a Portas, Pacheco Pereira é por estes dias o líder da oposição.
2. Ferro Rodrigues, não estará na altura de avançar com um blogue?
in Avatares de desejo(17 de Setembro de 2003)
(...)
1- Com a sua pertinente crítica a Portas, Pacheco Pereira é por estes dias o líder da oposição.
2. Ferro Rodrigues, não estará na altura de avançar com um blogue?
in Avatares de desejo(17 de Setembro de 2003)
Abram os olhos
(...) É por isso que prefiro correr o risco de ter uma filha que seja influenciada pela Barbie, que use maquilhagem, que inicie a vida sexual aos quinze anos. Eu sei que pode parecer cruel, mas prefiro que a minha filha possa escolher entre ser prostituta ou mudar-se para Riad, onde não poderá guiar um carro, ler revistas estrangeiras, ou andar na rua mostrando a beleza de uns ombros despidos.
(...) É por isso que prefiro correr o risco de ter uma filha que seja influenciada pela Barbie, que use maquilhagem, que inicie a vida sexual aos quinze anos. Eu sei que pode parecer cruel, mas prefiro que a minha filha possa escolher entre ser prostituta ou mudar-se para Riad, onde não poderá guiar um carro, ler revistas estrangeiras, ou andar na rua mostrando a beleza de uns ombros despidos.
terça-feira, setembro 16, 2003
O contrário de zurzir
Anteontem foi dia de não zurzir o mais famoso Eurodeputado da Blogoesfera Portuguesa. Antes pelo contrário. A polémica directa com as gentes do PP parece ter entrado em limitação de avarias, no entanto, o que havia a dizer foi dito no momento apropriado. (Considerações adicionais que subscrevo remeto-as para o post do Cão-de-Guarda que cito no escrito anterior a este.)
Já por várias vezes utilizei este blog para afirmar divergências para com as opiniões de JPP, ante-ontem, de forma mais discreta, enviei-lhe um e-mail saudando-o. Facto que acabou de retribuir. Para ser justo para comigo publico aqui as palavras que lhe enviei e que desta forma reforço.
É fundamental que vozes como a sua não se remetam ao silêncio perante as barbaridades que desmascarou nas palavras do lider do CDS-PP. É pena que quer no PSD, quer no PS, quando se levantam questões como estas onde se pode atingir alguma incomodidade institucional tantos se remetam às suas tocas, deixando a asneira sem oposição activa.
Este tipo de atitudes faz mais pela democracia do que qualquer reforma do sistema político, mas isto é só o que eu penso.
Outra atitude não seria de esperar de si. Essa justiça me merece após todos estes anos em que o tenho ouvido no Flashback. Discordando quase sempre com o que diz, tenho encontrado quase sempre a defesa de uma matriz que tem de ser transversal a todas as correntes políticas que defendem o modelo de civilização em que vivemos. O valor da honestidade intelectual na questão mercado de trabalho - imigração julgo ser um desses valores que já todos deviamos ter apreendido, atendendo a tantas lições da história... Mas nunca seremos perfeitos.
Sublinho também o meu apreço pelo confronto de ideias que desta vez acarinhou no seu blogue quanto à questão da discussão editorial da capa do Público.
Com os melhores cumprimentos,
Rui M Cerdeira Branco
Anteontem foi dia de não zurzir o mais famoso Eurodeputado da Blogoesfera Portuguesa. Antes pelo contrário. A polémica directa com as gentes do PP parece ter entrado em limitação de avarias, no entanto, o que havia a dizer foi dito no momento apropriado. (Considerações adicionais que subscrevo remeto-as para o post do Cão-de-Guarda que cito no escrito anterior a este.)
Já por várias vezes utilizei este blog para afirmar divergências para com as opiniões de JPP, ante-ontem, de forma mais discreta, enviei-lhe um e-mail saudando-o. Facto que acabou de retribuir. Para ser justo para comigo publico aqui as palavras que lhe enviei e que desta forma reforço.
É fundamental que vozes como a sua não se remetam ao silêncio perante as barbaridades que desmascarou nas palavras do lider do CDS-PP. É pena que quer no PSD, quer no PS, quando se levantam questões como estas onde se pode atingir alguma incomodidade institucional tantos se remetam às suas tocas, deixando a asneira sem oposição activa.
Este tipo de atitudes faz mais pela democracia do que qualquer reforma do sistema político, mas isto é só o que eu penso.
Outra atitude não seria de esperar de si. Essa justiça me merece após todos estes anos em que o tenho ouvido no Flashback. Discordando quase sempre com o que diz, tenho encontrado quase sempre a defesa de uma matriz que tem de ser transversal a todas as correntes políticas que defendem o modelo de civilização em que vivemos. O valor da honestidade intelectual na questão mercado de trabalho - imigração julgo ser um desses valores que já todos deviamos ter apreendido, atendendo a tantas lições da história... Mas nunca seremos perfeitos.
Sublinho também o meu apreço pelo confronto de ideias que desta vez acarinhou no seu blogue quanto à questão da discussão editorial da capa do Público.
Com os melhores cumprimentos,
Rui M Cerdeira Branco
Adufando perguntas I
A culpa é do Cão de Guarda! Vou iniciar uma rúbrica onde destacarei aqui perguntas que de alguma forma achei interessantes e que andam circulando por esses cabos fora. Perguntas que agitam os neurónios de formas diversas, vou já avisando.
Para a estreia pensem nesta:
Quem é que imagina que Paulo Portas possa acreditar verdadeiramente no milagre de Nossa Senhora de Fátima?
in Watchdog (16 Set 2003)
A culpa é do Cão de Guarda! Vou iniciar uma rúbrica onde destacarei aqui perguntas que de alguma forma achei interessantes e que andam circulando por esses cabos fora. Perguntas que agitam os neurónios de formas diversas, vou já avisando.
Para a estreia pensem nesta:
Quem é que imagina que Paulo Portas possa acreditar verdadeiramente no milagre de Nossa Senhora de Fátima?
in Watchdog (16 Set 2003)
He's Back! (act.)
Parece que a bichano foi mesmo bem baptizado. Fontes bem informadas - mais impossível - adiantam que o Gastão voltou. All's well when...you know the rest.
Quem sabe o nome em Inglês desta personagem Disney? Não vale ver na net :)
Parece que a bichano foi mesmo bem baptizado. Fontes bem informadas - mais impossível - adiantam que o Gastão voltou. All's well when...you know the rest.
Quem sabe o nome em Inglês desta personagem Disney? Não vale ver na net :)
As flash mobs são um fracasso...
...em Portugal. Ando meio a leste deste "acontecimento" mas dizem-me os Desblogueadores que foram (ontem) e continuam a ser (hoje) um fracasso. Juntaram-se não mais de três pessoas... Será ainda a herança do fascismo? Disseram-me que naquele tempo junção de mais de três indivíduos na via pública dava direito a interrogatório na Pide. Ficou-nos nos genes? Ná!!! Como alguém já disse, é mais provavel que tenha sido um problema de pontualidade... Talvez até ainda esteja a decorrer alguma flash mob... às pinguinhas.
...em Portugal. Ando meio a leste deste "acontecimento" mas dizem-me os Desblogueadores que foram (ontem) e continuam a ser (hoje) um fracasso. Juntaram-se não mais de três pessoas... Será ainda a herança do fascismo? Disseram-me que naquele tempo junção de mais de três indivíduos na via pública dava direito a interrogatório na Pide. Ficou-nos nos genes? Ná!!! Como alguém já disse, é mais provavel que tenha sido um problema de pontualidade... Talvez até ainda esteja a decorrer alguma flash mob... às pinguinhas.
Via Bloguítica Nacional também destaco para reflexão o texto de hoje de Vital Moreira sobre o conflito Israelo - Árabe.
Podemos discordar ou ficar incomodados com a (inevitável) simplicidade de enquadramento histórico-conjuntural da situação que é apresentado no artigo de jornal. MAS, o cerne, o diagnóstico presente quanto à correlação de forças e quanto às causas / consequências do ciclo de violência, bem como, a proposta de solução apresentada parecem-me difíceis de melhorar.
Pelo menos é a análise que faço atendendo à informação corrente a que tenho acesso e atendendo às tentativas de mediação recentes.
Se sempre que houver no mundo regiões com tal desproporção de forças a resposta de quem é superior e é atacado por desesperados for do calibre da que o actual governo israelita proporciona... Não andaremos por cá muito tempo.
A sensação com que fico é que a cada dia que passa há cada vez menos palestinianos e israelitas dispostos a colaborar, a olhar para a cara uns dos outros sem se verem sair chispas de vingança.
Israel têm direito à retaliação? Claro! E tem como é óbvio direito à retaliação da retaliação e por aí fora. Israel precisa ter confiança para pôr a sua segurança nas mãos de outrém e isso, relembrando as tibiezas retratadas na história só pode ser protagonizado pelos EUA. A chave está lá, na Casa Branca, é preciso querer. Quanto ao resto, a recuperação económica da Palestina e o retorno a sustentabilidade económica de Israel, aí, a Europa até já tem algumas provas dadas e motivação q.b.
Soluções alternativas à apresentada? Só se houver intervenção divina, mas como não vejo Deus a passear-se por aquela (esta Terra)...
(Mote alternativo para pôr alí em cima junto ao cabeçalho deste blogue: Não há nada como ainda querer resolver os problemas do mundo. Disparate por disparate atrevo-me neste blogue a escarrapachar os meus)
Podemos discordar ou ficar incomodados com a (inevitável) simplicidade de enquadramento histórico-conjuntural da situação que é apresentado no artigo de jornal. MAS, o cerne, o diagnóstico presente quanto à correlação de forças e quanto às causas / consequências do ciclo de violência, bem como, a proposta de solução apresentada parecem-me difíceis de melhorar.
Pelo menos é a análise que faço atendendo à informação corrente a que tenho acesso e atendendo às tentativas de mediação recentes.
Se sempre que houver no mundo regiões com tal desproporção de forças a resposta de quem é superior e é atacado por desesperados for do calibre da que o actual governo israelita proporciona... Não andaremos por cá muito tempo.
A sensação com que fico é que a cada dia que passa há cada vez menos palestinianos e israelitas dispostos a colaborar, a olhar para a cara uns dos outros sem se verem sair chispas de vingança.
Israel têm direito à retaliação? Claro! E tem como é óbvio direito à retaliação da retaliação e por aí fora. Israel precisa ter confiança para pôr a sua segurança nas mãos de outrém e isso, relembrando as tibiezas retratadas na história só pode ser protagonizado pelos EUA. A chave está lá, na Casa Branca, é preciso querer. Quanto ao resto, a recuperação económica da Palestina e o retorno a sustentabilidade económica de Israel, aí, a Europa até já tem algumas provas dadas e motivação q.b.
Soluções alternativas à apresentada? Só se houver intervenção divina, mas como não vejo Deus a passear-se por aquela (esta Terra)...
(Mote alternativo para pôr alí em cima junto ao cabeçalho deste blogue: Não há nada como ainda querer resolver os problemas do mundo. Disparate por disparate atrevo-me neste blogue a escarrapachar os meus)
Valha-me São Sinfrónio...
A Rita do No Parapeito só pode ser a Rita Ferro Rodrigues. Um blogue de que muito gostei e gosto e que aqui sublinhei há dias. Isto não há nada como não ter ligações com "ninguém" para poder ter destas surpresas blogoesféricas. Boa sorte na demanda em busca do Gastão. Se aparecer ali para as bandas da Alameda / Morais Soares já por lá há olhos à espreita.
A Rita do No Parapeito só pode ser a Rita Ferro Rodrigues. Um blogue de que muito gostei e gosto e que aqui sublinhei há dias. Isto não há nada como não ter ligações com "ninguém" para poder ter destas surpresas blogoesféricas. Boa sorte na demanda em busca do Gastão. Se aparecer ali para as bandas da Alameda / Morais Soares já por lá há olhos à espreita.
segunda-feira, setembro 15, 2003
E o prémio vai para...
Hoje apetece-me estar na moda, vou dar uns prémios, cativar uns amigos, mandar uns bitaites, dar ares de crítico, com a grande novidade de apresentar os 2ºs classificados em cada categoria!!!
Para levar a sério mesmo só um do prémios. Fácil perceber qual é. Ora leiam.
O blog mais atento e mais dinâmico vai para a dupla Bloguítica Nacional e Internacional - quando penso qualificá-lo de frenético logo surge um post equilibrado e certeiro, portanto, incompatível com o puro frenesim.
2º lugar para O Bisturi.
O blog com a melhor crónica lida nos últimos 5 minutos vai para O Carimbo Aproveito para endereçar-lhe as melhoras para esse galo na testa e eventuais queimaduras nas mãos. Da primeira enfermidade padeço amiude muito por culpa das farinhas lácteas quanto à segunda (queimadura numa cerca eléctrificada) ainda estou para experimentar.
2º lugar para... Não atribuído pois esgotei os 5 minutos a ler a crónica do Carimbo.
Prémio “mas quem é que anda a consultar o Adufe através dos links do Aviz” vai para quem provar fazê-lo!
Prémio e-mail mais simpático recebido na caixa de correio vai para... isso queriam vocês saber. Já bastou a divulgação do “Direito de resposta” sobre a sociedade Ponto Verde. Para considerações sobre correspondências consultar o Dicionário do Diabo e o Abrupto na vertente Hate Mail.
Prémio o que fazer com hate mail para a Bomba Inteligente.
2º prémio para a Bomba Inteligente.
Prémio blog com mais medo do dentista para Blog de Esquerda.
2º Prémio para a Bomba Inteligente.
Prémio melhor homenagem à memória de Vitor Damas...consultem o post das lágrimas que deixei aqui ontem. Cito apenas alguns dos vencedores. Fora da blogoesfera a melhor homenagem fê-la o Ricardo ontem com uma defesa à Damas...
Prémio o melhor blog a dar prémios para ... O governo Civil de Lisboa proibiria a atribuição deste prémio por evidente incompatibilidade dos promotores do concurso com a matéria em apreço.
Prémio Dom Sebastião vai para... o Aviz
2º lugar para o EPC
3º lugar para o PRD
4º lugar para o MST
5º lugar para o JMF
6º lugar para o JBC
7º lugar para... (colocar neste ponto do texto uma estrondosa honomatopeia em jeito de goooong)
Quem se atrever a agradecer o prémio arrisca-se a levar com outro!
Mais prémios quando me der na veneta.
Partido Socialista: E não é que veneta vem no corrector ortográfico do processador de texto??!
Reza assim a lista de sinónimos:
Veneta – balda, capricho, caturrice, furor, loucura, mania, pancada, sécia ...
Meus lindos, são todos muito caturras, eu sei que devo estar com a pancada mas hão-de-me perdoar esta loucura. Foi um capricho que me levou à balda. E já diz a minha Tia Bilac “Antes uma sécia que um seca”.
Feqium bem. Até ahmanã!
Hoje apetece-me estar na moda, vou dar uns prémios, cativar uns amigos, mandar uns bitaites, dar ares de crítico, com a grande novidade de apresentar os 2ºs classificados em cada categoria!!!
Para levar a sério mesmo só um do prémios. Fácil perceber qual é. Ora leiam.
O blog mais atento e mais dinâmico vai para a dupla Bloguítica Nacional e Internacional - quando penso qualificá-lo de frenético logo surge um post equilibrado e certeiro, portanto, incompatível com o puro frenesim.
2º lugar para O Bisturi.
O blog com a melhor crónica lida nos últimos 5 minutos vai para O Carimbo Aproveito para endereçar-lhe as melhoras para esse galo na testa e eventuais queimaduras nas mãos. Da primeira enfermidade padeço amiude muito por culpa das farinhas lácteas quanto à segunda (queimadura numa cerca eléctrificada) ainda estou para experimentar.
2º lugar para... Não atribuído pois esgotei os 5 minutos a ler a crónica do Carimbo.
Prémio “mas quem é que anda a consultar o Adufe através dos links do Aviz” vai para quem provar fazê-lo!
Prémio e-mail mais simpático recebido na caixa de correio vai para... isso queriam vocês saber. Já bastou a divulgação do “Direito de resposta” sobre a sociedade Ponto Verde. Para considerações sobre correspondências consultar o Dicionário do Diabo e o Abrupto na vertente Hate Mail.
Prémio o que fazer com hate mail para a Bomba Inteligente.
2º prémio para a Bomba Inteligente.
Prémio blog com mais medo do dentista para Blog de Esquerda.
2º Prémio para a Bomba Inteligente.
Prémio melhor homenagem à memória de Vitor Damas...consultem o post das lágrimas que deixei aqui ontem. Cito apenas alguns dos vencedores. Fora da blogoesfera a melhor homenagem fê-la o Ricardo ontem com uma defesa à Damas...
Prémio o melhor blog a dar prémios para ... O governo Civil de Lisboa proibiria a atribuição deste prémio por evidente incompatibilidade dos promotores do concurso com a matéria em apreço.
Prémio Dom Sebastião vai para... o Aviz
2º lugar para o EPC
3º lugar para o PRD
4º lugar para o MST
5º lugar para o JMF
6º lugar para o JBC
7º lugar para... (colocar neste ponto do texto uma estrondosa honomatopeia em jeito de goooong)
Quem se atrever a agradecer o prémio arrisca-se a levar com outro!
Mais prémios quando me der na veneta.
Partido Socialista: E não é que veneta vem no corrector ortográfico do processador de texto??!
Reza assim a lista de sinónimos:
Veneta – balda, capricho, caturrice, furor, loucura, mania, pancada, sécia ...
Meus lindos, são todos muito caturras, eu sei que devo estar com a pancada mas hão-de-me perdoar esta loucura. Foi um capricho que me levou à balda. E já diz a minha Tia Bilac “Antes uma sécia que um seca”.
Feqium bem. Até ahmanã!
Big Science!
Os despenseiros da palavra sugerem um teste de humanidade patrocinado pela Isto É. Quão humanos somos nós? Curiosa pergunta... Depois daquele outro teste do post anterior, ainda mais oportuna é. Mais umas ideias preconcebidas que caiem.
Os que esperam por novidades do pastor da beira baixa também podem se entreter fazendo o teste aqui.
Eu registei uns míseros 0,74... Sou pouco humano.. É a minha costela de economista!
E já agora...espreitem os Despenseiros da Palavra. Um blogue brasileiro que por acaso encontrou o Adufe e que estou a gostar de acompanhar. Um "cheirinho":
QUANDO O BREGA VIRA CHIQUE
Você Não Me Ensinou a Te Esquecer, uma das músicas-tema do filme Lisbela e o Prisioneiro, na voz de Caetano Veloso, está agradando a gregos e troianos. Essa lírica canção faz parte da discografia de Fernando Mendes, da época que vovó era criança. O detalhe é que era considerado brega; agora, é pop brega. Não vou entrar na questão de ser ou não ser brega, deixo isso para os filósofos. O que chamou a minha atenção foi esse trecho da letra da música:
“Já cheguei a tal ponto
De me trocar diversas vezes por você
Só pra ver se te encontro”
O que nos leva à semelhança com esse outro:
“Transforma-se o amador na cousa amada,
por virtude do muito imaginar”
(Camões)
Lindo!
Que tal ouvir?
Os despenseiros da palavra sugerem um teste de humanidade patrocinado pela Isto É. Quão humanos somos nós? Curiosa pergunta... Depois daquele outro teste do post anterior, ainda mais oportuna é. Mais umas ideias preconcebidas que caiem.
Os que esperam por novidades do pastor da beira baixa também podem se entreter fazendo o teste aqui.
Eu registei uns míseros 0,74... Sou pouco humano.. É a minha costela de economista!
E já agora...espreitem os Despenseiros da Palavra. Um blogue brasileiro que por acaso encontrou o Adufe e que estou a gostar de acompanhar. Um "cheirinho":
QUANDO O BREGA VIRA CHIQUE
Você Não Me Ensinou a Te Esquecer, uma das músicas-tema do filme Lisbela e o Prisioneiro, na voz de Caetano Veloso, está agradando a gregos e troianos. Essa lírica canção faz parte da discografia de Fernando Mendes, da época que vovó era criança. O detalhe é que era considerado brega; agora, é pop brega. Não vou entrar na questão de ser ou não ser brega, deixo isso para os filósofos. O que chamou a minha atenção foi esse trecho da letra da música:
“Já cheguei a tal ponto
De me trocar diversas vezes por você
Só pra ver se te encontro”
O que nos leva à semelhança com esse outro:
“Transforma-se o amador na cousa amada,
por virtude do muito imaginar”
(Camões)
Lindo!
Que tal ouvir?
Sgeue e-mial endaivo plea Ana:
"De aorcdo com uma pqsieusa de uma uinrvesriddae ignlsea, nao ipomtra a odrem plea qaul as lrteas de uma plravaa etaso, a úncia csioa iprotmatne é que a piremria e útmlia lrteas etejasm no lgaur crteo.
O rseto pdoe ser uma ttaol csãofnuo que vcoe pdoe anida ler sem gnderas obrlmea. Itso é poqrue nós nao lmeos cdaa lrtea isladoa, mas a plravaa cmoo um tdoo.
Cosiruo não?"
Dvereas!!
"De aorcdo com uma pqsieusa de uma uinrvesriddae ignlsea, nao ipomtra a odrem plea qaul as lrteas de uma plravaa etaso, a úncia csioa iprotmatne é que a piremria e útmlia lrteas etejasm no lgaur crteo.
O rseto pdoe ser uma ttaol csãofnuo que vcoe pdoe anida ler sem gnderas obrlmea. Itso é poqrue nós nao lmeos cdaa lrtea isladoa, mas a plravaa cmoo um tdoo.
Cosiruo não?"
Dvereas!!
Direito de resposta: Sociedade Ponto Verde (act.)
Não há nada como estar sempre disposto a aprender... No passado dia 9 de Setembro publiquei aqui o post Reciclagem II onde expunha alguma ideias pessoais a pretexto de duas notícias publicadas no Jornal de Negócios relativas à reciclagem em Portugal. Notícias onde eram apresentados excertos de uma entrevista a Henrique Agostinho responsável pela área de comunicação da Sociedade Ponto Verde.
A blogo-esfera (e a internet) tem destas coisas e o Adufe recebeu há poucos dias um e-mail de Henrique Agostinho onde este, a título pessoal, ofereceu algumas impressões e alguma informação útil para melhor enquadrar o problema. Mais do que entrar em debate e argumentar em favor de algumas das sugestões que aqui deixei julgo apropriado, neste momento, deixar aqui o testemunho que me enviaram. Sem tempo para uma edição cuidada deixo-vos a missiva na integra com alguns sublinhados meus.
"Caro Rui.
Muito Obrigado pela sua preocupação com a Sociedade Ponto Verde e a Reciclagem. Creio que o sucesso da reciclagem passa muito pelo WOM (pelo que uns dizem aos outros) e respectivo aumento da mobilização.
Vou fazer vários comentários, creio que tenho essa legitimidade uma vez que sou abundantemente citado, isto apesar de os comentarios serem puramente pessoais:
1) 62% Não separam. Não separam "nada", zero. Porque os outros 38% alguns separam "alguma coisa" e mesmo muito poucos separam "mesmo". Porquê?
Há as razões razoáveis - Porque o sistema é novo, porque os hábitos custam a adquirir, porque algumas pessoas não têm de facto a vida facilitada para separar. Há as outras razões - Porque temos uma altíssima taxa de acidentes rodoviários e porque temos uma enormíssima fuga fiscal. Porque os Portugueses são resistentes às ideia de civismo.
Pesando umas e outras razões, vemos que, apesar de ser recente, os portugueses assistiram a um imenso investimento em ecopontos, centrais de triagem, aterros, etc. Que os portugueses dispõem de mais ecopontos que Multibancos. Que quase toda a população é servida por um muito bom sistema. Mas como a participação é pequena, só posso concluir que a "culpa" o atraso cultural das pessoas que não separam, as tais "outras razões".
2) O financiamento. E o eventual aumento do Valor Ponto Verde.
Infelizmente a notícia saiu muito pouco clara. O que eu apontei foi algo em que a matemática não deixa margens para dúvidas:
- Todas as embalagens colocadas no mercado pagam um valor por quilograma X.
- As embalagens recolhidas para reciclagem recebem 4X
Como isto é possivel, é porque em Portugal se recolhia para reciclagem menos de 25% das embalagens que pagam Ponto Verde. 25% de 4X = X
Acontece que no ano de 2005 vamos ultrapassar os 25% de reciclagem a caminho dos 50% que estão estabelecidos para 2012. Ora como 50% de 4X =2X (custos) e a SPV apenas recebe X, a equação não é viavel. Logo, daqui para a frente teremos de evoluir para uma situação em que:
- Todas as embalagens colocadas no mercado pagarão um valor por quilograma Y.
- As embalagens recolhidas para reciclagem receberão 2Y.
O que ninguém sabe é se 2Y =, < ou > 4X
Mas até 2012 Y acabará por ser > X.
Ora isto é matemática e entendamos é diferente do que estava publicado. A recolha selectiva tem de ser feita, essa recolha tem custos, os embaladores assumiram essa responsabilidade. Está arrumado.
O que não está arrumado é a questão do "prémio aos pais". Concordo pagar aos pais pela separação é uma solução interessante. Tão interessante que se pratica no Brasil com imenso sucesso. No Brasil porque há milhões de favelados que vivem de separar o lixo das lixeiras em "regime de free-lance". Para o bem e para o mal, a nossa sociedade portuguesa não toleraria uma solução tão pobre. E o valor unitário que tem o lixo separado é ridiculo, são precisos muitos milhares de pessoas a reunir embalagens para se obter um qualquer valor relevante. E por isso eu digo que é um "negócio de escala", quer dizer que só com grandes quantidades de "lixo" separado se obtém algum valor relevante, que dê para contratar
pessoas e pagar ordenados.
E ainda há a questão do lucro. O "negócio" da SPV não dá lucro porque a SPV não quer. A SPV é uma empresa sem fins lucrativos e todo o dinheiro que tem reutiliza na reciclagem. Por isso é que não dá lucro e por isso é que ninguém quer concorrer com uma empresa sem fins lucrativos! Óbvio não é?
Assim resumo a questão do financiamento.
3) Os baldes, os sacos, etc. - Se nós (SPV) não ajudar-mos as pessoas a separar quem ajudará! Ora bem, se pedimos às pessoas que separem, melhor será que lhes dê-mos acesso aos equipamentos e conhecimentos necessários para o fazer. Idealmente gostava de oferecer os tais baldes e sacos, mas como isso se revelaria incomportável e pouco eficaz, apostamos em vendê-los ao menor preço. Sem margens. Com escala. Podemos reduzir o preço de prateleira para um terço. Podemos garantir que existem e são funcionais. Podemos ajudar. E é isso que vamos fazer. Com baldes, com sacos e com prémios ás escolas que mobilizarem os alunos.
Que outra forma poderia haver? Seria legitimo da parte da SPV não fazer todo este esforço de simplificação da vida das pessoas?
4) As embalagens retornáveis - Não sou especialista, mas creio que não é tão simples quanto isso. Uma embalagen retornável tem uma duração de 5 ou 6 voltas. Depois também tem de ser reciclada. Uma embalagem retornável é muito mais "sólida" logo exige muito mais material, muitas vezes 5 ou 6 vezes mais material. O ciclo de ida e volta das embalagens retornáveis é muito mais caro e consome bem mais energia que o das não-retornáveis recicladas. E por ultimo quanto "vasilhame com depósito" ia direitinho para o lixo, mesmo nos tempos de maior aperto de cinto em Portugal?
Ora, para acomodar os produtos que consumimos, vamos usar embalagens e quer sejam usadas uma ou 5 vezes, o importante é que sejam recicladas no fim da sua vida. Ou não é?
Assim, aconselho distanciamento quando se inventar soluções para o problema. Nem sempre o que parece é, e por vezes o pior sai melhor.
Se calhar as embalagens não-reutilizáveis tem um custo ambiental menor do que reutilizáveis, e se calhar a incineração é ambientalmente mais saudável do que a deposição em aterro, ou reciclagem de alguns materiais. Mas isso, ninguém sabe, é uma linha ténue e já me dou por contente por se "estar a fazer qualquer coisa
Bem, espero ter esclarecido alguns conceitos, nomeadamente:
- Porque é que há tantos portugueses que não separam e o tamanho do problema
- Porque é o financiamento é como é e como não vale a pena inventar a roda
- Como é que as iniciativas anunciadas irão ajudar
- E que os debates entre não-retornáveis e retornáveis são estéreis.
Continue interessado e a interessar pela separação, que esse é decerto um bom caminho."
Ainda uma nota sobre Curitiba, de Henrique Agostinho, que resultou de uma troca de mails posterior:
"Curitiba é um exemplo de urbanismo/desenvolvimento social irrepreensível. Os sitemas de transporte públicos, a reconversão do comércio tradicional e o sistema de recolha do lixo são extraordinários. No entanto a própria Curitiba começa a ser vítima do seu sucesso e do facto das suas soluções serem específicas para o nível de vida do Brasil. Por exemplo - Mesmo apesar do "Ligeirinho" cada vez mais pessoas tem carro privado e o transito ameaça ficar igual ao das outras metrópoles da américa latina. O nível de vida sobe e as pessoas compram carros, parece ser inevitável.
Da mesma forma a recolha/reciclagem contra vouchers de comida só funciona quando as pessoas são mesmo pobres. Por exemplo, numa conta muuuito simplificada, todo o lixo de uma pessoa normal em Portugal entregue para reciclagem vale aí uns 10E/ano! Em Portugal quem é que consideraria relevante ter todo o trabalho que implica separar por apenas 10E/ano!
Ainda assim, Curitiba continua a ser a cidade mais bem gerida do mundo (e isto não sou eu que digo)."
Nota adicional:
Sociedade Ponto Verde com novo Director de Comunicação
Henrique Agostinho é, desde o início de Julho, o novo responsável pela área de comunicação da Sociedade Ponto Verde.
Anteriormente Director de Marketing e Vendas na Oniway, entrou para esta empresa de telecomunicações em 2001 para assumir o cargo de Director de Marketing e Comunicação. A sua experiência na área das telecomunicações começou quando ingressou os quadros da Optimus, onde desempenhou o cargo de Director de Marketing.
A sua actividade profissional teve início na Procter & Gamble, em 1995. Depois de desempenhar funções como Assistant Brand Manager, rumou a Madrid e a Londres para assumir o cargo de Brand Manager.
Henrique Agostinho tem 30 anos e é Licenciado em Engenharia Civil pelo Instituto Superior Técnico.
A reciclagem é agora o seu novo desafio.
Não há nada como estar sempre disposto a aprender... No passado dia 9 de Setembro publiquei aqui o post Reciclagem II onde expunha alguma ideias pessoais a pretexto de duas notícias publicadas no Jornal de Negócios relativas à reciclagem em Portugal. Notícias onde eram apresentados excertos de uma entrevista a Henrique Agostinho responsável pela área de comunicação da Sociedade Ponto Verde.
A blogo-esfera (e a internet) tem destas coisas e o Adufe recebeu há poucos dias um e-mail de Henrique Agostinho onde este, a título pessoal, ofereceu algumas impressões e alguma informação útil para melhor enquadrar o problema. Mais do que entrar em debate e argumentar em favor de algumas das sugestões que aqui deixei julgo apropriado, neste momento, deixar aqui o testemunho que me enviaram. Sem tempo para uma edição cuidada deixo-vos a missiva na integra com alguns sublinhados meus.
"Caro Rui.
Muito Obrigado pela sua preocupação com a Sociedade Ponto Verde e a Reciclagem. Creio que o sucesso da reciclagem passa muito pelo WOM (pelo que uns dizem aos outros) e respectivo aumento da mobilização.
Vou fazer vários comentários, creio que tenho essa legitimidade uma vez que sou abundantemente citado, isto apesar de os comentarios serem puramente pessoais:
1) 62% Não separam. Não separam "nada", zero. Porque os outros 38% alguns separam "alguma coisa" e mesmo muito poucos separam "mesmo". Porquê?
Há as razões razoáveis - Porque o sistema é novo, porque os hábitos custam a adquirir, porque algumas pessoas não têm de facto a vida facilitada para separar. Há as outras razões - Porque temos uma altíssima taxa de acidentes rodoviários e porque temos uma enormíssima fuga fiscal. Porque os Portugueses são resistentes às ideia de civismo.
Pesando umas e outras razões, vemos que, apesar de ser recente, os portugueses assistiram a um imenso investimento em ecopontos, centrais de triagem, aterros, etc. Que os portugueses dispõem de mais ecopontos que Multibancos. Que quase toda a população é servida por um muito bom sistema. Mas como a participação é pequena, só posso concluir que a "culpa" o atraso cultural das pessoas que não separam, as tais "outras razões".
2) O financiamento. E o eventual aumento do Valor Ponto Verde.
Infelizmente a notícia saiu muito pouco clara. O que eu apontei foi algo em que a matemática não deixa margens para dúvidas:
- Todas as embalagens colocadas no mercado pagam um valor por quilograma X.
- As embalagens recolhidas para reciclagem recebem 4X
Como isto é possivel, é porque em Portugal se recolhia para reciclagem menos de 25% das embalagens que pagam Ponto Verde. 25% de 4X = X
Acontece que no ano de 2005 vamos ultrapassar os 25% de reciclagem a caminho dos 50% que estão estabelecidos para 2012. Ora como 50% de 4X =2X (custos) e a SPV apenas recebe X, a equação não é viavel. Logo, daqui para a frente teremos de evoluir para uma situação em que:
- Todas as embalagens colocadas no mercado pagarão um valor por quilograma Y.
- As embalagens recolhidas para reciclagem receberão 2Y.
O que ninguém sabe é se 2Y =, < ou > 4X
Mas até 2012 Y acabará por ser > X.
Ora isto é matemática e entendamos é diferente do que estava publicado. A recolha selectiva tem de ser feita, essa recolha tem custos, os embaladores assumiram essa responsabilidade. Está arrumado.
O que não está arrumado é a questão do "prémio aos pais". Concordo pagar aos pais pela separação é uma solução interessante. Tão interessante que se pratica no Brasil com imenso sucesso. No Brasil porque há milhões de favelados que vivem de separar o lixo das lixeiras em "regime de free-lance". Para o bem e para o mal, a nossa sociedade portuguesa não toleraria uma solução tão pobre. E o valor unitário que tem o lixo separado é ridiculo, são precisos muitos milhares de pessoas a reunir embalagens para se obter um qualquer valor relevante. E por isso eu digo que é um "negócio de escala", quer dizer que só com grandes quantidades de "lixo" separado se obtém algum valor relevante, que dê para contratar
pessoas e pagar ordenados.
E ainda há a questão do lucro. O "negócio" da SPV não dá lucro porque a SPV não quer. A SPV é uma empresa sem fins lucrativos e todo o dinheiro que tem reutiliza na reciclagem. Por isso é que não dá lucro e por isso é que ninguém quer concorrer com uma empresa sem fins lucrativos! Óbvio não é?
Assim resumo a questão do financiamento.
3) Os baldes, os sacos, etc. - Se nós (SPV) não ajudar-mos as pessoas a separar quem ajudará! Ora bem, se pedimos às pessoas que separem, melhor será que lhes dê-mos acesso aos equipamentos e conhecimentos necessários para o fazer. Idealmente gostava de oferecer os tais baldes e sacos, mas como isso se revelaria incomportável e pouco eficaz, apostamos em vendê-los ao menor preço. Sem margens. Com escala. Podemos reduzir o preço de prateleira para um terço. Podemos garantir que existem e são funcionais. Podemos ajudar. E é isso que vamos fazer. Com baldes, com sacos e com prémios ás escolas que mobilizarem os alunos.
Que outra forma poderia haver? Seria legitimo da parte da SPV não fazer todo este esforço de simplificação da vida das pessoas?
4) As embalagens retornáveis - Não sou especialista, mas creio que não é tão simples quanto isso. Uma embalagen retornável tem uma duração de 5 ou 6 voltas. Depois também tem de ser reciclada. Uma embalagem retornável é muito mais "sólida" logo exige muito mais material, muitas vezes 5 ou 6 vezes mais material. O ciclo de ida e volta das embalagens retornáveis é muito mais caro e consome bem mais energia que o das não-retornáveis recicladas. E por ultimo quanto "vasilhame com depósito" ia direitinho para o lixo, mesmo nos tempos de maior aperto de cinto em Portugal?
Ora, para acomodar os produtos que consumimos, vamos usar embalagens e quer sejam usadas uma ou 5 vezes, o importante é que sejam recicladas no fim da sua vida. Ou não é?
Assim, aconselho distanciamento quando se inventar soluções para o problema. Nem sempre o que parece é, e por vezes o pior sai melhor.
Se calhar as embalagens não-reutilizáveis tem um custo ambiental menor do que reutilizáveis, e se calhar a incineração é ambientalmente mais saudável do que a deposição em aterro, ou reciclagem de alguns materiais. Mas isso, ninguém sabe, é uma linha ténue e já me dou por contente por se "estar a fazer qualquer coisa
Bem, espero ter esclarecido alguns conceitos, nomeadamente:
- Porque é que há tantos portugueses que não separam e o tamanho do problema
- Porque é o financiamento é como é e como não vale a pena inventar a roda
- Como é que as iniciativas anunciadas irão ajudar
- E que os debates entre não-retornáveis e retornáveis são estéreis.
Continue interessado e a interessar pela separação, que esse é decerto um bom caminho."
Ainda uma nota sobre Curitiba, de Henrique Agostinho, que resultou de uma troca de mails posterior:
"Curitiba é um exemplo de urbanismo/desenvolvimento social irrepreensível. Os sitemas de transporte públicos, a reconversão do comércio tradicional e o sistema de recolha do lixo são extraordinários. No entanto a própria Curitiba começa a ser vítima do seu sucesso e do facto das suas soluções serem específicas para o nível de vida do Brasil. Por exemplo - Mesmo apesar do "Ligeirinho" cada vez mais pessoas tem carro privado e o transito ameaça ficar igual ao das outras metrópoles da américa latina. O nível de vida sobe e as pessoas compram carros, parece ser inevitável.
Da mesma forma a recolha/reciclagem contra vouchers de comida só funciona quando as pessoas são mesmo pobres. Por exemplo, numa conta muuuito simplificada, todo o lixo de uma pessoa normal em Portugal entregue para reciclagem vale aí uns 10E/ano! Em Portugal quem é que consideraria relevante ter todo o trabalho que implica separar por apenas 10E/ano!
Ainda assim, Curitiba continua a ser a cidade mais bem gerida do mundo (e isto não sou eu que digo)."
Nota adicional:
Sociedade Ponto Verde com novo Director de Comunicação
Henrique Agostinho é, desde o início de Julho, o novo responsável pela área de comunicação da Sociedade Ponto Verde.
Anteriormente Director de Marketing e Vendas na Oniway, entrou para esta empresa de telecomunicações em 2001 para assumir o cargo de Director de Marketing e Comunicação. A sua experiência na área das telecomunicações começou quando ingressou os quadros da Optimus, onde desempenhou o cargo de Director de Marketing.
A sua actividade profissional teve início na Procter & Gamble, em 1995. Depois de desempenhar funções como Assistant Brand Manager, rumou a Madrid e a Londres para assumir o cargo de Brand Manager.
Henrique Agostinho tem 30 anos e é Licenciado em Engenharia Civil pelo Instituto Superior Técnico.
A reciclagem é agora o seu novo desafio.
domingo, setembro 14, 2003
Justiça
É natural a oposição quando o outro de nós discorda (ou deveria ser... às vezes ouve-se demasiado silêncio).
De qualquer forma, seja mais ou menos fácil entrar numa discussão, há algo que tenho como mais dificil.
Às vezes o mais difícil é dizer o que se segue, com sinceridade, sem querer marcar pontos em estranhos e torpes "campeonatos".
O pretexto é o post VOZ PRESA, VOZ SOLTA:
Caro JPP,
É fundamental que vozes como a sua não se remetam ao silêncio perante as barbaridades que desmascarou nas palavras do lider do CDS-PP. É pena que quer no PSD, quer no PS, quando se levantam questões como estas, onde se pode atingir alguma incomodidade institucional, tantos se remetam às suas tocas, deixando a asneira sem oposição activa.
Este tipo de atitudes faz mais pela democracia do que qualquer reforma do sistema político, mas isto é só o que eu penso.
Outra atitude não seria de esperar de si. Essa justiça me merece após todos estes anos em que o tenho ouvido no Flashback. Discordando quase sempre com o que diz, tenho encontrado quase sempre a defesa de uma matriz que tem de ser transversal a todas as correntes políticas que defendem o modelo de civilização em que vivemos.
A honestidade intelectual na questão mercado de trabalho - imigração julgo ser um desses valores que já todos deviamos ter apreendido, atendendo a tantas lições da história... Mas nunca seremos perfeitos.
Sublinho também o meu apreço pelo confronto de ideias que desta vez acarinhou no seu blogue quanto à questão da discussão editorial da capa do Público.
É natural a oposição quando o outro de nós discorda (ou deveria ser... às vezes ouve-se demasiado silêncio).
De qualquer forma, seja mais ou menos fácil entrar numa discussão, há algo que tenho como mais dificil.
Às vezes o mais difícil é dizer o que se segue, com sinceridade, sem querer marcar pontos em estranhos e torpes "campeonatos".
O pretexto é o post VOZ PRESA, VOZ SOLTA:
Caro JPP,
É fundamental que vozes como a sua não se remetam ao silêncio perante as barbaridades que desmascarou nas palavras do lider do CDS-PP. É pena que quer no PSD, quer no PS, quando se levantam questões como estas, onde se pode atingir alguma incomodidade institucional, tantos se remetam às suas tocas, deixando a asneira sem oposição activa.
Este tipo de atitudes faz mais pela democracia do que qualquer reforma do sistema político, mas isto é só o que eu penso.
Outra atitude não seria de esperar de si. Essa justiça me merece após todos estes anos em que o tenho ouvido no Flashback. Discordando quase sempre com o que diz, tenho encontrado quase sempre a defesa de uma matriz que tem de ser transversal a todas as correntes políticas que defendem o modelo de civilização em que vivemos.
A honestidade intelectual na questão mercado de trabalho - imigração julgo ser um desses valores que já todos deviamos ter apreendido, atendendo a tantas lições da história... Mas nunca seremos perfeitos.
Sublinho também o meu apreço pelo confronto de ideias que desta vez acarinhou no seu blogue quanto à questão da discussão editorial da capa do Público.
Gostava de estar em Alvalade
Para te aplaudir pela primeira vez, Damas.
Hoje digo que sou do Sporting porque encontrei beleza num golpe de rins.
Para te aplaudir pela primeira vez, Damas.
Hoje digo que sou do Sporting porque encontrei beleza num golpe de rins.
O dia em que eu fui ver a volta passar
- em seis pequenos pontos -
I
Na noite anterior o meteorologista ameaçara com um dia muito quente e, na impossibilidade de se evitarem as obrigações rurais anuais, em torno de algumas courelas de terra, a manhã de mais um dia de férias na província foi destinada ao trabalho braçal em família.
As tarefas concluiram-se mais cedo do que o previsto e com isso estavam reunidas todas as condições para intensificar a minha campanha propagandística.
Ao regressarmos a casa era ainda demasiado cedo para acender o lume e preparar brasas para o churasco e, não dando tempo às mentes mais laboriosas para magicarem no que fazer na horita que sobrava, liguei o rádio bem alto a tempo de ouvir as crónicas e reportagens sobre mais uma etapa da volta a Portugal em bicicleta que se iniciara há escassos minutos: «ligeiramente atrasada face ao previsto pela organização», segundo dizia o jornalista.
Assim que o percurso da etapa ecou do rádio pelo quintal e foi referida a passagem num ponto quente situado na aldeia vizinha mais próxima, iniciei a derradeira etapa do meu plano que visava reunir uma mão cheia de familiares à beira da estrada nacional apreciando a passagem da caravana garrida.
Para minha surpresa, cinco minutos depois de lançar o convite já embraiava a terceira bem para lá do cemitério, um dos vértices do perímetro da aldeia. O carro levava pouco mais de meia carga mas ainda assim eu ia espantado pelo repentino sincronismo familiar transgeracional ali materializado.
II
Ia eu pensando nos porquês de nunca ter tido a ideia de espreitar o espectáculo da volta ao vivo (falha imperdoável do meu portuguesismo atendendo a que esta passara várias vezes a escassas centenas de metros da minha casa no concelho de Sintra), quando surgiram, a seguir a uma lomba acentuada, dois ciclistas pedalando, lado a lado, em marcha de caracol e ocupando descontraidamente a estreita faixa de alcatrão da estrada semi-municipal limitada a veículos de 10 toneladas.
Após a brusca travagem, note-se que circulávamos na mesma direcção, e de uma valente buzinadela, estive tentado a lembrar a limitação de peso imposta pela sinalização vertical naquela via ao soberbamente anafado ciclista da dupla bucha e estica, mas em boa hora não o fiz contribuindo para essa silênciosa revolução cultural que um dia há-de inundar as estradas do país de civismo e boas maneiras.
«O mais gordo era a cara chapada de fulano tal» disse a minha mãe após aquele breve encontro. Foi quanto bastou para os passageiros, conterrâneos, iniciarem o debate sobre as venturas e desventuras da aldeia e dos seus imigrantes. Quando chegámos ao cruzamento com a estrada nacional da Volta, entre o Vale da Senhora da Póvoa e a Meimoa, estava já estabelecido de quem eram netos e filhos os jovens ciclistas, portugueses de segunda geração, nascidos na França muito depois de qualquer um dos polemistas que me acompanhavam terem eles próprios abandonado a aldeia e perdido o contacto com a criação dos filhos da terra.
A exactidão da genealogia familiar que por mero acaso viria a confirmar dias depois fez-me crer ainda mais na importância dos genes e da sua herança escarrapachada nos nossas irrepetíveis faces.
III
A estrada nacional 233 tem um pavimento relativamente recente que vem resistindo quer ao intenso tráfego internacional de pesados - via Vilar Formoso - que a percorrem durante todo o ano, quer ao enxame veraneante e natalício de ligeiros oriundos do centro da Europa e de mais modestas migrações de âmbito nacional.
Entre o Sabugal e a Meimoa - a aldeia do ponto quente - enche-se de curvas e contracurvas cirandando entre meias encostas, pequenos planaltos e vales, quase sempre rodeada de arvoredo. Da Meimoa em diante, até Penamacor, a condução é mais suave surgindo grandes rectas planas, a espaços ladeadas por bem ordenadas fileiras de magestosos plátanos e eucaliptos. Apenas se puxa um pouco pela viatura ao circundar a vila na novíssima estrada de circunvalação.
Com a nova estrada, subir até à vila, tarefa sujeita a curvas e contracurvas que atingiram em tempos a fama das de Nisa, Estrela, Sintra, São Pedro do Sul ou Gerês, é hoje bem menos desafiante e perigoso. Para o ciclista, sobra o declive e o empedrado que teima em atapetar o centro histórico da vila raiana.
Em suma, aquele troço servia apenas para moer mais um pouco os ciclistas, juntar uns trocados e tomar balanço para chegar ao Fundão, depois à Covilhã e à Torre lá mais para o fim da tarde.
IV
Arranjar poiso seguro para parar o carro sem infringir regras de trânsito e garantir ao mesmo tempo um espaço de contacto visual com a estrada e aí aguardar a caravana, de preferência à fresca, não se adivinhava tarefa fácil, mas, mais uma vez, o meu pessimismo foi a enterrar bem depressa nesse dia.
Virámos no cruzamento em direcção à Meimoa subindo uma das meias encostas escavadas pela estrada e depressa descobrimos uma eventual escapatória de curva em sítio que cumpria de forma quase perfeita os requisitos acima enunciados. Note-se apenas que a nossa descoberta merece aspas pois o poiso estava já parcialmente ocupado por outro carro.
Dentro do carro vizinho - talvez montado quando os Trovante nos apresentavam A Menina das Sete Saias - estava um rapaz de vinte e muitos, trinta e poucos.
Saímos da fornalha do carro para a sombra dos enormes eucaliptos e trocámos a tradicional saudação com o tal rapaz. Bastou o “Bom Dia” para lhe apanhar a pronúncia beirã, bastante mais acentuada que a minha e um pouco mais do que a dos meus pais.
Pouco depois de nos estabelecermos, o rapaz saiu do carro e começou uma série de indiscutíveis sinais de ansiedade andando para trás e para diante sobre as folhas, cascas e toros de eucalipto ou olhando um pontinho entre as àrvores, lá para as bandas da aldeia do Vale, a cerca de 3 km de nós, sempre a descer.
Após uns instantes de maior frenesim, acalmou, aproximou-se do nosso carro e pareceu-me interessado em ouvir o que ia dizendo o auto-rádio. Por esta altura era já mais que evidente ao que nós iamos: comentáramos a classificação da Volta, os estrangeiros, o encantamento popular que originava este desporto em nós (pelos vistos!) e em tantos outros, as suas velhas glórias, etc. No entanto, o “Bom Dia” permanecia a única conversa feita com o rapaz.
Aumentei o volume do rádio para ouvir o reporter motorizado da TSF; já haviam passado o Sabugal e aproximavam-se de Santo Estevão, faltavam, portanto, cerca de 10 Km para chegarem até nós. O rapaz olhou o relógio e retomou gestos bruscos: para trás e para diante, abrindo a porta do carro e sentando-se por breves instantes, saltando do carro para espreitar outra vez por entre as árvores...
Pelo nosso lado íamos despejando a garrafa de litro e meio de água, enquanto continuávamos entretidos a deitar conversa fora.
O primeiro sinal da volta não tardou, o inconfundível som do helicóptero soou para as bandas do Vale e pela primeira vez percebi para onde olhava o rapaz: por entre os eucaliptos via-se o saída do Vale da Senhora da Póvoa sendo possível distinguir carros e camiões a passarem lá longe por entre uma breve clareira de vegetação. Mais uns minutos e a volta estaria a passar ao nosso lado, comentei eu em voz alta - não ouve reacções.
Passou sobre nós o helicóptero da SIC e pouco depois surgiram os primeiros camiões: o enorme contentor que servia de palco no final das etapas, um camião de exteriores da SIC e vários carros decorados com autocolantes de orgãos de comunicação social: Jornal do Fundão, Diário de Notícias, RFM, TSF, algumas rádios locais, etc. A seguir, passaram sem grande estardalhaço algumas motos da polícia que interromperam o trânsito em sentido oposto ao da Volta, depois o silêncio regressou.
Passaram-se mais alguns minutos antes que voltasse a surgir animação na estrada, desta vez protagonizada por ciclistas já meus conhecidos: o bucha e o estica pedalavam rouxos de esforço movendo-se muito lentamente lá no início da subida que os levava até à nossa curva. Após um piscar de olhos, já os víamos a passear, ao lado das máquinas, investindo contra a subida com a cabeça quase ao nível dos braços e do traseiro, de mãos no selim.
Chegaram até nós e esticaram-se no chão exaustos. Assim ficaram por alguns minutos condenados a não beneficiarem da nossa hospitalidade, pois então havíamos já esgotado o suprimento de água que tanto proveito lhes faria.
Nisto, como aparições alienígenas, surgiram perante o grupo de mirones de beira de estrada três vultos vermelhos, bem colados ao asfalto, anunciados por um gravíssimo matraquear mecânico: «Ferraris! Uau! Trois!» berrou, com uma energia que não se lhe adivinhava, o mais rouxo dos ciclistas.
Por um dia, Penamacor entra no topo da lista dos concelhos com maior número de Ferraris per capita do país, comentei no meu economês, ao que o rapaz de poucas falas me respondeu com um sonoro «Já lá vêm!».
V
Menos “grave”, mas igualmente cativador de atenções, surgiu outro matraquear mecânico, desta feita oriundo de uma soberba motorizada do tamanho de um pequeno cavalo. Não fosse a minha pouca paixão por estes assuntos e escreveria com detalhe ano, potência, modelo e demais pregaminhos do exemplar, mas o melhor que posso fazer para o enaltecer já o fiz, resta-me apenas descrever o que se seguiu e que motiva a recordação da máquina.
A cavalo ia um empertigadíssimo polícia. Estão a ver aqueles motões que acompanharam o presidente Kennedy na sua última visita ao Texas, empoleirados por polícias de capacete redondo, branco e envergando uns enormes óculos de sol que lhes tapavam metade da cara? A cena era parecida, com a nuance de que o que ali víamos era uma realidade em câmara lenta; parecia impossível como o condutor mantinha a moto a rolar, numa subida e a uma velocidade tão reduzida.
«Não hão-de ver mais motas como aquela na caravana» alvitrou o rapaz de poucas falas continuando, seguro de ter retidos as atenções: «Aquele indivíduo é polícia na cidade da Guarda e a mota é o única daquele modelo ao activo no distrito. No país! Fica o ano inteiro dentro de portas e só sai para a rua quando a Volta passa pela Guarda.» E continuou entusiamado: « Uma semana antes da Volta lá chegar, aquele indivíduo começa a pavonear-se pela cidade a cavalo no motarrão durante todo o dia. Não há ninguém na Guarda que não conheça a peça! Hoje vai aí nas suas sete quintas apresentando a aberração pelas serras a fora.».
Não cheguei a confirmar a autenticidade desta história quando algum tempo depois passei pela Guarda, mas o conto daquele rapaz tem qualquer coisa de insólito que abriu espaço na minha memória para reforçar a lembrança do dia em que fui ver a volta pela primeira vez.
VI
O poletão passou aos bochechos, berrámos todos um bocado como é de bom tom nestas coisas e pronto.
Logo a seguir ao carro vassoura o rapaz arrancou em elevadas rotações “esticando” o velho carro pelo monte acima, sem trocar connosco o tradicional, «Então, Bom Dia!».
Fiquei sem saber porquê ou por quem tanto sofria este estranho rapaz. Um estranho rapaz que tão depressa parecia intimidado e desconfortável com a nossa presença quanto arranjava à vontade para destilar um altivo sarcásmo sobre as respeitáveis forças da ordem a pretexto de uma pequena estória da pequena história quotidiana da cidade da Guarda. Mas todos estes considerandos resultavam se calhar dos meus olhos e a ideia de começar a pensar em ir fazer o almoço pareceu-me tão oportuna quanto aos demais passageiros pelo que também nós nos pusemos em ar de marcha da servil escapatória. Contudo, ainda antes da partida, testemunhámos e de alguma forma protagonizamos um pequeno drama.
Perante o cenário de repetir a façanha de cinco quilómetros a pedalar entre altos e baixos de regresso à aldeia, uma algaraviada afrancesada irrompeu entre os dois ciclistas luso-gauleses, promovida essencialmente pelo ainda mal recuperado baixote gordinho que insistia com o irmão mais velho para ir para a aldeia mais próxima - dois quilómetros e quase sempre a descer - de onde pediriam socorro à familia! Julgo ter percebido a expressão “no tractor da tia” por entre as resposta às invectivas cépticas do irmão mais velho.
Da contenda resultou que o gordo baixinho ficou especado com ar de grande desespero assistindo ao afastar do irmão ladeira a baixo a cavalo no velocípede, em direcção ao cruzamento que o levaria para a estrada semi-agrícola calcorreada há pouco.
Já com o motor a trabalhar, frustrámos, mais uma vez, uma tentativa hospitaleira de socorrer o atleta. Condoídos oferecemos-lhe boleia que ele aceitou de pronto... Mas havia a bicicleta, porventura, a maldita bicicleta...
O carro não era um dedal, mas, sem suportes apropriados no tejadilho, revelou-se impossível transportar a máquina inteira na mala do carro. O rapaz conformou-se e agradeceu descendo a passo a ladeira, pingando suor e escondendo as lágrimas antes que o irmão, que o esperava lá em baixo, as pudesse destrinçar...
A meio da rampa quando passámos por ele, simulou trepar para o selim, mas não passou disso. «Só lhe faz é bem. Para abater as banhas! Um rapaz tão novo...» disse um dos meus passageiros longe já dos ouvidos do ciclista.
No dia seguinte vi de novo o luso-francês mais anafado, ainda em prova, sorridente, pedalando pela terra batida de uma das linhas arquitectadas pela esquadria real do emparcelamento imaginário daquela pontinha da Cova da Beira. Ofereceu-me um tímido «Bom Dia» em bom português e seguiu viagem conduzindo com uma mão e levando com a outra à boca uma suculenta maçã, aproximando-se calmamente da frescura da ribeira.
(prot-blog com 5 anos)
- em seis pequenos pontos -
I
Na noite anterior o meteorologista ameaçara com um dia muito quente e, na impossibilidade de se evitarem as obrigações rurais anuais, em torno de algumas courelas de terra, a manhã de mais um dia de férias na província foi destinada ao trabalho braçal em família.
As tarefas concluiram-se mais cedo do que o previsto e com isso estavam reunidas todas as condições para intensificar a minha campanha propagandística.
Ao regressarmos a casa era ainda demasiado cedo para acender o lume e preparar brasas para o churasco e, não dando tempo às mentes mais laboriosas para magicarem no que fazer na horita que sobrava, liguei o rádio bem alto a tempo de ouvir as crónicas e reportagens sobre mais uma etapa da volta a Portugal em bicicleta que se iniciara há escassos minutos: «ligeiramente atrasada face ao previsto pela organização», segundo dizia o jornalista.
Assim que o percurso da etapa ecou do rádio pelo quintal e foi referida a passagem num ponto quente situado na aldeia vizinha mais próxima, iniciei a derradeira etapa do meu plano que visava reunir uma mão cheia de familiares à beira da estrada nacional apreciando a passagem da caravana garrida.
Para minha surpresa, cinco minutos depois de lançar o convite já embraiava a terceira bem para lá do cemitério, um dos vértices do perímetro da aldeia. O carro levava pouco mais de meia carga mas ainda assim eu ia espantado pelo repentino sincronismo familiar transgeracional ali materializado.
II
Ia eu pensando nos porquês de nunca ter tido a ideia de espreitar o espectáculo da volta ao vivo (falha imperdoável do meu portuguesismo atendendo a que esta passara várias vezes a escassas centenas de metros da minha casa no concelho de Sintra), quando surgiram, a seguir a uma lomba acentuada, dois ciclistas pedalando, lado a lado, em marcha de caracol e ocupando descontraidamente a estreita faixa de alcatrão da estrada semi-municipal limitada a veículos de 10 toneladas.
Após a brusca travagem, note-se que circulávamos na mesma direcção, e de uma valente buzinadela, estive tentado a lembrar a limitação de peso imposta pela sinalização vertical naquela via ao soberbamente anafado ciclista da dupla bucha e estica, mas em boa hora não o fiz contribuindo para essa silênciosa revolução cultural que um dia há-de inundar as estradas do país de civismo e boas maneiras.
«O mais gordo era a cara chapada de fulano tal» disse a minha mãe após aquele breve encontro. Foi quanto bastou para os passageiros, conterrâneos, iniciarem o debate sobre as venturas e desventuras da aldeia e dos seus imigrantes. Quando chegámos ao cruzamento com a estrada nacional da Volta, entre o Vale da Senhora da Póvoa e a Meimoa, estava já estabelecido de quem eram netos e filhos os jovens ciclistas, portugueses de segunda geração, nascidos na França muito depois de qualquer um dos polemistas que me acompanhavam terem eles próprios abandonado a aldeia e perdido o contacto com a criação dos filhos da terra.
A exactidão da genealogia familiar que por mero acaso viria a confirmar dias depois fez-me crer ainda mais na importância dos genes e da sua herança escarrapachada nos nossas irrepetíveis faces.
III
A estrada nacional 233 tem um pavimento relativamente recente que vem resistindo quer ao intenso tráfego internacional de pesados - via Vilar Formoso - que a percorrem durante todo o ano, quer ao enxame veraneante e natalício de ligeiros oriundos do centro da Europa e de mais modestas migrações de âmbito nacional.
Entre o Sabugal e a Meimoa - a aldeia do ponto quente - enche-se de curvas e contracurvas cirandando entre meias encostas, pequenos planaltos e vales, quase sempre rodeada de arvoredo. Da Meimoa em diante, até Penamacor, a condução é mais suave surgindo grandes rectas planas, a espaços ladeadas por bem ordenadas fileiras de magestosos plátanos e eucaliptos. Apenas se puxa um pouco pela viatura ao circundar a vila na novíssima estrada de circunvalação.
Com a nova estrada, subir até à vila, tarefa sujeita a curvas e contracurvas que atingiram em tempos a fama das de Nisa, Estrela, Sintra, São Pedro do Sul ou Gerês, é hoje bem menos desafiante e perigoso. Para o ciclista, sobra o declive e o empedrado que teima em atapetar o centro histórico da vila raiana.
Em suma, aquele troço servia apenas para moer mais um pouco os ciclistas, juntar uns trocados e tomar balanço para chegar ao Fundão, depois à Covilhã e à Torre lá mais para o fim da tarde.
IV
Arranjar poiso seguro para parar o carro sem infringir regras de trânsito e garantir ao mesmo tempo um espaço de contacto visual com a estrada e aí aguardar a caravana, de preferência à fresca, não se adivinhava tarefa fácil, mas, mais uma vez, o meu pessimismo foi a enterrar bem depressa nesse dia.
Virámos no cruzamento em direcção à Meimoa subindo uma das meias encostas escavadas pela estrada e depressa descobrimos uma eventual escapatória de curva em sítio que cumpria de forma quase perfeita os requisitos acima enunciados. Note-se apenas que a nossa descoberta merece aspas pois o poiso estava já parcialmente ocupado por outro carro.
Dentro do carro vizinho - talvez montado quando os Trovante nos apresentavam A Menina das Sete Saias - estava um rapaz de vinte e muitos, trinta e poucos.
Saímos da fornalha do carro para a sombra dos enormes eucaliptos e trocámos a tradicional saudação com o tal rapaz. Bastou o “Bom Dia” para lhe apanhar a pronúncia beirã, bastante mais acentuada que a minha e um pouco mais do que a dos meus pais.
Pouco depois de nos estabelecermos, o rapaz saiu do carro e começou uma série de indiscutíveis sinais de ansiedade andando para trás e para diante sobre as folhas, cascas e toros de eucalipto ou olhando um pontinho entre as àrvores, lá para as bandas da aldeia do Vale, a cerca de 3 km de nós, sempre a descer.
Após uns instantes de maior frenesim, acalmou, aproximou-se do nosso carro e pareceu-me interessado em ouvir o que ia dizendo o auto-rádio. Por esta altura era já mais que evidente ao que nós iamos: comentáramos a classificação da Volta, os estrangeiros, o encantamento popular que originava este desporto em nós (pelos vistos!) e em tantos outros, as suas velhas glórias, etc. No entanto, o “Bom Dia” permanecia a única conversa feita com o rapaz.
Aumentei o volume do rádio para ouvir o reporter motorizado da TSF; já haviam passado o Sabugal e aproximavam-se de Santo Estevão, faltavam, portanto, cerca de 10 Km para chegarem até nós. O rapaz olhou o relógio e retomou gestos bruscos: para trás e para diante, abrindo a porta do carro e sentando-se por breves instantes, saltando do carro para espreitar outra vez por entre as árvores...
Pelo nosso lado íamos despejando a garrafa de litro e meio de água, enquanto continuávamos entretidos a deitar conversa fora.
O primeiro sinal da volta não tardou, o inconfundível som do helicóptero soou para as bandas do Vale e pela primeira vez percebi para onde olhava o rapaz: por entre os eucaliptos via-se o saída do Vale da Senhora da Póvoa sendo possível distinguir carros e camiões a passarem lá longe por entre uma breve clareira de vegetação. Mais uns minutos e a volta estaria a passar ao nosso lado, comentei eu em voz alta - não ouve reacções.
Passou sobre nós o helicóptero da SIC e pouco depois surgiram os primeiros camiões: o enorme contentor que servia de palco no final das etapas, um camião de exteriores da SIC e vários carros decorados com autocolantes de orgãos de comunicação social: Jornal do Fundão, Diário de Notícias, RFM, TSF, algumas rádios locais, etc. A seguir, passaram sem grande estardalhaço algumas motos da polícia que interromperam o trânsito em sentido oposto ao da Volta, depois o silêncio regressou.
Passaram-se mais alguns minutos antes que voltasse a surgir animação na estrada, desta vez protagonizada por ciclistas já meus conhecidos: o bucha e o estica pedalavam rouxos de esforço movendo-se muito lentamente lá no início da subida que os levava até à nossa curva. Após um piscar de olhos, já os víamos a passear, ao lado das máquinas, investindo contra a subida com a cabeça quase ao nível dos braços e do traseiro, de mãos no selim.
Chegaram até nós e esticaram-se no chão exaustos. Assim ficaram por alguns minutos condenados a não beneficiarem da nossa hospitalidade, pois então havíamos já esgotado o suprimento de água que tanto proveito lhes faria.
Nisto, como aparições alienígenas, surgiram perante o grupo de mirones de beira de estrada três vultos vermelhos, bem colados ao asfalto, anunciados por um gravíssimo matraquear mecânico: «Ferraris! Uau! Trois!» berrou, com uma energia que não se lhe adivinhava, o mais rouxo dos ciclistas.
Por um dia, Penamacor entra no topo da lista dos concelhos com maior número de Ferraris per capita do país, comentei no meu economês, ao que o rapaz de poucas falas me respondeu com um sonoro «Já lá vêm!».
V
Menos “grave”, mas igualmente cativador de atenções, surgiu outro matraquear mecânico, desta feita oriundo de uma soberba motorizada do tamanho de um pequeno cavalo. Não fosse a minha pouca paixão por estes assuntos e escreveria com detalhe ano, potência, modelo e demais pregaminhos do exemplar, mas o melhor que posso fazer para o enaltecer já o fiz, resta-me apenas descrever o que se seguiu e que motiva a recordação da máquina.
A cavalo ia um empertigadíssimo polícia. Estão a ver aqueles motões que acompanharam o presidente Kennedy na sua última visita ao Texas, empoleirados por polícias de capacete redondo, branco e envergando uns enormes óculos de sol que lhes tapavam metade da cara? A cena era parecida, com a nuance de que o que ali víamos era uma realidade em câmara lenta; parecia impossível como o condutor mantinha a moto a rolar, numa subida e a uma velocidade tão reduzida.
«Não hão-de ver mais motas como aquela na caravana» alvitrou o rapaz de poucas falas continuando, seguro de ter retidos as atenções: «Aquele indivíduo é polícia na cidade da Guarda e a mota é o única daquele modelo ao activo no distrito. No país! Fica o ano inteiro dentro de portas e só sai para a rua quando a Volta passa pela Guarda.» E continuou entusiamado: « Uma semana antes da Volta lá chegar, aquele indivíduo começa a pavonear-se pela cidade a cavalo no motarrão durante todo o dia. Não há ninguém na Guarda que não conheça a peça! Hoje vai aí nas suas sete quintas apresentando a aberração pelas serras a fora.».
Não cheguei a confirmar a autenticidade desta história quando algum tempo depois passei pela Guarda, mas o conto daquele rapaz tem qualquer coisa de insólito que abriu espaço na minha memória para reforçar a lembrança do dia em que fui ver a volta pela primeira vez.
VI
O poletão passou aos bochechos, berrámos todos um bocado como é de bom tom nestas coisas e pronto.
Logo a seguir ao carro vassoura o rapaz arrancou em elevadas rotações “esticando” o velho carro pelo monte acima, sem trocar connosco o tradicional, «Então, Bom Dia!».
Fiquei sem saber porquê ou por quem tanto sofria este estranho rapaz. Um estranho rapaz que tão depressa parecia intimidado e desconfortável com a nossa presença quanto arranjava à vontade para destilar um altivo sarcásmo sobre as respeitáveis forças da ordem a pretexto de uma pequena estória da pequena história quotidiana da cidade da Guarda. Mas todos estes considerandos resultavam se calhar dos meus olhos e a ideia de começar a pensar em ir fazer o almoço pareceu-me tão oportuna quanto aos demais passageiros pelo que também nós nos pusemos em ar de marcha da servil escapatória. Contudo, ainda antes da partida, testemunhámos e de alguma forma protagonizamos um pequeno drama.
Perante o cenário de repetir a façanha de cinco quilómetros a pedalar entre altos e baixos de regresso à aldeia, uma algaraviada afrancesada irrompeu entre os dois ciclistas luso-gauleses, promovida essencialmente pelo ainda mal recuperado baixote gordinho que insistia com o irmão mais velho para ir para a aldeia mais próxima - dois quilómetros e quase sempre a descer - de onde pediriam socorro à familia! Julgo ter percebido a expressão “no tractor da tia” por entre as resposta às invectivas cépticas do irmão mais velho.
Da contenda resultou que o gordo baixinho ficou especado com ar de grande desespero assistindo ao afastar do irmão ladeira a baixo a cavalo no velocípede, em direcção ao cruzamento que o levaria para a estrada semi-agrícola calcorreada há pouco.
Já com o motor a trabalhar, frustrámos, mais uma vez, uma tentativa hospitaleira de socorrer o atleta. Condoídos oferecemos-lhe boleia que ele aceitou de pronto... Mas havia a bicicleta, porventura, a maldita bicicleta...
O carro não era um dedal, mas, sem suportes apropriados no tejadilho, revelou-se impossível transportar a máquina inteira na mala do carro. O rapaz conformou-se e agradeceu descendo a passo a ladeira, pingando suor e escondendo as lágrimas antes que o irmão, que o esperava lá em baixo, as pudesse destrinçar...
A meio da rampa quando passámos por ele, simulou trepar para o selim, mas não passou disso. «Só lhe faz é bem. Para abater as banhas! Um rapaz tão novo...» disse um dos meus passageiros longe já dos ouvidos do ciclista.
No dia seguinte vi de novo o luso-francês mais anafado, ainda em prova, sorridente, pedalando pela terra batida de uma das linhas arquitectadas pela esquadria real do emparcelamento imaginário daquela pontinha da Cova da Beira. Ofereceu-me um tímido «Bom Dia» em bom português e seguiu viagem conduzindo com uma mão e levando com a outra à boca uma suculenta maçã, aproximando-se calmamente da frescura da ribeira.
(prot-blog com 5 anos)
Ping para aqui.
Para o José Fragoso e para o Luis Proença da direcção editorial da TSF seguiram estas palavras:
Viva!
A primeira vez que passei palavra sobre a IF (Íntima Fracção) andava eu na faculdade (há 8 anos?), escrevendo no boletim da Associação de Estudantes e logo aí me cruzei com alguns ouvintes que quiseram partilhar a cumplicidade, o segredo, o encantamento.
Pela minha parte prefiro ouvir "num quarto escondido e perdido no meio da cidade", às escuras, deitado na cama, de olhos bem abertos. Como hoje, daqui a bocadinho, depois da uma.
Tudo acaba, tudo recomeça. Espero que o Francisco Amaral continue a ter espaço na rádio portuguesa, comigo a poder ouvi-lo, já agora. Espero que fique na TSF mas se por lá não o quiserem, estou disposto a ir atrás! Já não seria a primeira vez ("Sexo dos Anjos" de Julio Machado Vaz e Aurélio Gomes).
Mas se isso acontecer é pena...
Durante muito tempo desarmei críticos da TSF ("É só notícias e anúncios. Uma seca!") com exemplos como a Íntima Fracção. Sei de alguns que ficaram ouvintes. Se houver quem tenha bons ouvidos na direcção, se não estiver já tudo decidido, pode ser que tudo corra pelo melhor.
Entretanto caso não sejam assíduos ouvintes sei que hão-de receber algumas cassetes gravadas por ouvintes dedicados que querem assegurar este cantinho na madrugada de Sábado para Domingo, aqui (aí) na TSF.
Pela minha parte deixo-vos só estas palavras.
Fiquem bem.
Obrigado por me terem lido.
Rui MC Branco
P.S.: Votos de bom trabalho para o resto do projecto. Suplantar a herança não será nada fácil mas força! (Não se esqueçam de quem já vos ouve na voragem de quererem ser ouvidos).
Para o José Fragoso e para o Luis Proença da direcção editorial da TSF seguiram estas palavras:
Viva!
A primeira vez que passei palavra sobre a IF (Íntima Fracção) andava eu na faculdade (há 8 anos?), escrevendo no boletim da Associação de Estudantes e logo aí me cruzei com alguns ouvintes que quiseram partilhar a cumplicidade, o segredo, o encantamento.
Pela minha parte prefiro ouvir "num quarto escondido e perdido no meio da cidade", às escuras, deitado na cama, de olhos bem abertos. Como hoje, daqui a bocadinho, depois da uma.
Tudo acaba, tudo recomeça. Espero que o Francisco Amaral continue a ter espaço na rádio portuguesa, comigo a poder ouvi-lo, já agora. Espero que fique na TSF mas se por lá não o quiserem, estou disposto a ir atrás! Já não seria a primeira vez ("Sexo dos Anjos" de Julio Machado Vaz e Aurélio Gomes).
Mas se isso acontecer é pena...
Durante muito tempo desarmei críticos da TSF ("É só notícias e anúncios. Uma seca!") com exemplos como a Íntima Fracção. Sei de alguns que ficaram ouvintes. Se houver quem tenha bons ouvidos na direcção, se não estiver já tudo decidido, pode ser que tudo corra pelo melhor.
Entretanto caso não sejam assíduos ouvintes sei que hão-de receber algumas cassetes gravadas por ouvintes dedicados que querem assegurar este cantinho na madrugada de Sábado para Domingo, aqui (aí) na TSF.
Pela minha parte deixo-vos só estas palavras.
Fiquem bem.
Obrigado por me terem lido.
Rui MC Branco
P.S.: Votos de bom trabalho para o resto do projecto. Suplantar a herança não será nada fácil mas força! (Não se esqueçam de quem já vos ouve na voragem de quererem ser ouvidos).
sábado, setembro 13, 2003
Uma questão de semântica
Numa altura em que pomos "alegadamentes" atrás e à frente de tudo e em que confundimos a árvore pelo todo para magnificar a ideia de escândalo, noto que nesta notícia da SIC os caldos de galinha iniciais Alunos da Casa Pia em eventos organizados por médicos, artistas e oficiais da Marinha depressa caiem na tal generalização injusta A rede de pedofilia da Casa Pia teve ligações à Marinha e à tauromaquia portuguesa e esteve activa no interior da Expo 98, de acordo com o semanário Expresso.
“Teve, alegadamente, ligações a médicos, artistas e oficiais da Marinha" parece-me bem...
“Teve, alegadamente, ligações à Marinha e à tauromaquia portuguesa e esteve activa no interior da Expo 98" já ultrapassou o risco. A menos que se queira dizer que:
- a rede de pedofilia enquanto organização teve ligações a essas outras organizações criminosas;
- essas outras instituições que enquanto tal agiram em conluio com a rede;
- uma instituição seja sempre definida pelos piores elementos que a compõem.
Será que só a mim me incomodam este detalhes de semântica?
P.S.: A despropósito (ou talvez não), a demissão do presidente do IEP pode justificar-se por corroborar um inquérito infeliz e inconclusivo mas não se pode justificar para pôr uma pedra sobre o assunto, para que não se apurem responsabilidades materiais sobre o que se passou com a ponte que caiu no IC 19. O erro não foi do presidente, seguramente, assim como não foi do Ministro, ou de Jorge Coelho numa outra história de um passado similar. Julgo que dizendo isto este post fica mais coerente e, de facto, este post scriptum não vem mesmo nada a despropósito.
A definição de responsabilidades, dos seus limites, não parece estar ao alcance do entendimento de muita gente (pelo menos de alguns políticos, de alguns jornalistas...). Pena que essas falhas intelectuais sejam tão cirurgicamente selectivas e sucessivas.
Numa altura em que pomos "alegadamentes" atrás e à frente de tudo e em que confundimos a árvore pelo todo para magnificar a ideia de escândalo, noto que nesta notícia da SIC os caldos de galinha iniciais Alunos da Casa Pia em eventos organizados por médicos, artistas e oficiais da Marinha depressa caiem na tal generalização injusta A rede de pedofilia da Casa Pia teve ligações à Marinha e à tauromaquia portuguesa e esteve activa no interior da Expo 98, de acordo com o semanário Expresso.
“Teve, alegadamente, ligações a médicos, artistas e oficiais da Marinha" parece-me bem...
“Teve, alegadamente, ligações à Marinha e à tauromaquia portuguesa e esteve activa no interior da Expo 98" já ultrapassou o risco. A menos que se queira dizer que:
- a rede de pedofilia enquanto organização teve ligações a essas outras organizações criminosas;
- essas outras instituições que enquanto tal agiram em conluio com a rede;
- uma instituição seja sempre definida pelos piores elementos que a compõem.
Será que só a mim me incomodam este detalhes de semântica?
P.S.: A despropósito (ou talvez não), a demissão do presidente do IEP pode justificar-se por corroborar um inquérito infeliz e inconclusivo mas não se pode justificar para pôr uma pedra sobre o assunto, para que não se apurem responsabilidades materiais sobre o que se passou com a ponte que caiu no IC 19. O erro não foi do presidente, seguramente, assim como não foi do Ministro, ou de Jorge Coelho numa outra história de um passado similar. Julgo que dizendo isto este post fica mais coerente e, de facto, este post scriptum não vem mesmo nada a despropósito.
A definição de responsabilidades, dos seus limites, não parece estar ao alcance do entendimento de muita gente (pelo menos de alguns políticos, de alguns jornalistas...). Pena que essas falhas intelectuais sejam tão cirurgicamente selectivas e sucessivas.
Vem aí asneira...
A SIC está anunciar o Jornal da Noite que se avizinha com uma asneira pegada.
Nem preciso saber dos (alegados) factos; há um erro de enquadramento, tem de haver.
Diz-se que a Marinha, a Expo-98 e não sei que outras organizações estão envolvidas no caso de abuso sexual de menores da Casa Pia.
Não falam de militares da armada ou funcionários da parque-expo. Preparam a promoção à notícia assim, lançando a suspeita sobre as instituições como um todo. Pondo-nos na cabeça que temos instituições que abusam sexualmente de menores.
Isto não é fazer jornalismo, é puro terrorismo. Péssimo trabalho senhores jornalistas da SIC. Onde fica o direito ao bom nome de todos os que trabalham na RTP, no PS, na Armada, na Parque-expo e (quem sabe?) na SIC, que nunca tiveram nada a ver com abuso sexual de menores?
O português é uma língua riquíssima. Façam bom uso dele. Perdoem-me a má ortografia, um ou outro erro de concordância como vos perdo-o a vós, mas ninguém perdoa a negligência grosseira em ofício nenhum.
A SIC está anunciar o Jornal da Noite que se avizinha com uma asneira pegada.
Nem preciso saber dos (alegados) factos; há um erro de enquadramento, tem de haver.
Diz-se que a Marinha, a Expo-98 e não sei que outras organizações estão envolvidas no caso de abuso sexual de menores da Casa Pia.
Não falam de militares da armada ou funcionários da parque-expo. Preparam a promoção à notícia assim, lançando a suspeita sobre as instituições como um todo. Pondo-nos na cabeça que temos instituições que abusam sexualmente de menores.
Isto não é fazer jornalismo, é puro terrorismo. Péssimo trabalho senhores jornalistas da SIC. Onde fica o direito ao bom nome de todos os que trabalham na RTP, no PS, na Armada, na Parque-expo e (quem sabe?) na SIC, que nunca tiveram nada a ver com abuso sexual de menores?
O português é uma língua riquíssima. Façam bom uso dele. Perdoem-me a má ortografia, um ou outro erro de concordância como vos perdo-o a vós, mas ninguém perdoa a negligência grosseira em ofício nenhum.
Meu Querido Diário
Benquerença, 2 de Agosto de 1997, férias de Verão em casa dos avós.
Parecia ser uma tarde normal de Verão, uma tarde de calma, de uma calma de derreter os ossos como as anteriores, quando de repente... Bom, de repente viu-se um filme repetido: partiu-se o céu ao meio e caiu-nos uma descarga de água e de electricidade em cima.
Um repâmpago-trovão de cegar os olhos e vibrar os pulmões iniciou a função. A chuva torrencial abafou o ar, amoleceu as moscas e pôs os humanos pensativos. Com a trovoada tão perto muitos aproximaram-se de Deus; como se diz: ficaram mais tementes a Deus. Eu continuei de mata-moscas na mão, mais implacável do que antes, bravamente à espera do raio castigador, talvez.
Com a falha da electricidade a reconversão de alguns católicos da família consumou-se de facto. «Ah! Se houvesse mais tempestades na cidade, mais cortes de energia... Como as igrejas se encheriam novamente, como todos se reduziriam à sua insignificância e descobririam o verdadeiro valor da vida», pensei divertido e enfadado. Adiante.
Pôs-se mais um rachão na lareira, acenderam-se algumas velas e as histórias de outras trovoadas tiveram o seu lugar com o ambiente «al dente». Isto dá que pensar, Diário: sem televisão, sem rádio, sem coragem para deixar os beirados das casas, as estórias que pareciam pertencer irremediavelmente presas à memória individual de algumas poucas e antigas crianças que por aqui ainda andam, brotam imediatamente à velocidade de um interruptor accionado, provenientes dos mais improváveis contadores.
Contou-se a estória daquela vez em que um raio caiu na antena da televisão e em que a casa ia ardendo. Acabado este conto passou a apelar-se a Santa Bárbara a cada nova descarga com crescente clamor.
A um canto, o meu pai recontou-me a história do grande carvalho da sua meninice que eu ainda conheci. Deixo-te aqui, querido diário, uma estória de ternura, e de fascínio.
Era uma vez um menino pequenino que era um pequenino pastor. Bom, a verdade, verdadinha não era bem essa. O menino andava na escola como os outros meninos e por isso, antes de mais nada, era um menino, mas, nas férias, como muitos outros meninos da sua aldeia, este era pastor. De manhã levava o rebanho de ovelhas e cabras a passear pela serra. Aí o gado passava o dia a encher a barriga com os petiscos que só são bons para cabras e ovelhas. O menino cuidava delas encaminhando-as para os melhores pastos e protegendo-as de algum perigo sempre com a ajuda dos seus dois cães pastores: a Estrela e o Tejo. Durante o dia o menino arranjava tempo para brincar sozinho e com outros pequenos pastores que encontrava. Trepava às árvores, descia às fragas, dormia de barriga ao leu aquecido pelo sol, acendia fogueiras quando o dia vinha fresco. Era imensamente feliz excepto quando às vezes a fome apertava e o Verão se engasgava nalgum temporal. Uma vez, num desses temporais de Verão o menino assistiu a uma coisa bem de pasmar.
Benquerença, 2 de Agosto de 1997, férias de Verão em casa dos avós.
Parecia ser uma tarde normal de Verão, uma tarde de calma, de uma calma de derreter os ossos como as anteriores, quando de repente... Bom, de repente viu-se um filme repetido: partiu-se o céu ao meio e caiu-nos uma descarga de água e de electricidade em cima.
Um repâmpago-trovão de cegar os olhos e vibrar os pulmões iniciou a função. A chuva torrencial abafou o ar, amoleceu as moscas e pôs os humanos pensativos. Com a trovoada tão perto muitos aproximaram-se de Deus; como se diz: ficaram mais tementes a Deus. Eu continuei de mata-moscas na mão, mais implacável do que antes, bravamente à espera do raio castigador, talvez.
Com a falha da electricidade a reconversão de alguns católicos da família consumou-se de facto. «Ah! Se houvesse mais tempestades na cidade, mais cortes de energia... Como as igrejas se encheriam novamente, como todos se reduziriam à sua insignificância e descobririam o verdadeiro valor da vida», pensei divertido e enfadado. Adiante.
Pôs-se mais um rachão na lareira, acenderam-se algumas velas e as histórias de outras trovoadas tiveram o seu lugar com o ambiente «al dente». Isto dá que pensar, Diário: sem televisão, sem rádio, sem coragem para deixar os beirados das casas, as estórias que pareciam pertencer irremediavelmente presas à memória individual de algumas poucas e antigas crianças que por aqui ainda andam, brotam imediatamente à velocidade de um interruptor accionado, provenientes dos mais improváveis contadores.
Contou-se a estória daquela vez em que um raio caiu na antena da televisão e em que a casa ia ardendo. Acabado este conto passou a apelar-se a Santa Bárbara a cada nova descarga com crescente clamor.
A um canto, o meu pai recontou-me a história do grande carvalho da sua meninice que eu ainda conheci. Deixo-te aqui, querido diário, uma estória de ternura, e de fascínio.
Era uma vez um menino pequenino que era um pequenino pastor. Bom, a verdade, verdadinha não era bem essa. O menino andava na escola como os outros meninos e por isso, antes de mais nada, era um menino, mas, nas férias, como muitos outros meninos da sua aldeia, este era pastor. De manhã levava o rebanho de ovelhas e cabras a passear pela serra. Aí o gado passava o dia a encher a barriga com os petiscos que só são bons para cabras e ovelhas. O menino cuidava delas encaminhando-as para os melhores pastos e protegendo-as de algum perigo sempre com a ajuda dos seus dois cães pastores: a Estrela e o Tejo. Durante o dia o menino arranjava tempo para brincar sozinho e com outros pequenos pastores que encontrava. Trepava às árvores, descia às fragas, dormia de barriga ao leu aquecido pelo sol, acendia fogueiras quando o dia vinha fresco. Era imensamente feliz excepto quando às vezes a fome apertava e o Verão se engasgava nalgum temporal. Uma vez, num desses temporais de Verão o menino assistiu a uma coisa bem de pasmar.
sexta-feira, setembro 12, 2003
Muito poucas palavras musicadas...
...tenho trazido a este Adufe. Bem menos que ao seu irmão secreto.
Dificilmente trarei música mas pelo menos as palavras.
Já por cá passaram as Adufeiras de Monsanto, os Beach Boys, Laurie Anderson, hoje a Voz da América de Johnny Cash e mais alguns poucos.
(Obrigado Francisco Amaral, obrigado Luis Mateus, obrigado José Duarte, obrigado Aníbal Cabrita, obrigado Mário Dias, obrigado Ana Bravo, obrigado Nuno Galopim, obrigado Álvaro Costa, obrigado Sarah Adamopoulos, obrigado radialista desconhecido ou esquecido.)
Curioso, "The Voice" e "The Voice of America", duas memória inconfundíveis de duas Américas distintas.
Será que Sinatra e Cash alguma vez cantaram juntos? Dão-se alvíssaras.
...tenho trazido a este Adufe. Bem menos que ao seu irmão secreto.
Dificilmente trarei música mas pelo menos as palavras.
Já por cá passaram as Adufeiras de Monsanto, os Beach Boys, Laurie Anderson, hoje a Voz da América de Johnny Cash e mais alguns poucos.
(Obrigado Francisco Amaral, obrigado Luis Mateus, obrigado José Duarte, obrigado Aníbal Cabrita, obrigado Mário Dias, obrigado Ana Bravo, obrigado Nuno Galopim, obrigado Álvaro Costa, obrigado Sarah Adamopoulos, obrigado radialista desconhecido ou esquecido.)
Curioso, "The Voice" e "The Voice of America", duas memória inconfundíveis de duas Américas distintas.
Será que Sinatra e Cash alguma vez cantaram juntos? Dão-se alvíssaras.
Entre outros posts, o Adufe hoje tocou
A ...o mais infeliz dos post...
S Assim estamos inteiramente de acordo!
S A continuidade da política internacional Kenneth Waltz via A Praia
I DON'T TAKE YOUR GUNS TO TOWN
M Foi hoje inaugurado o novo Aeroporto Internacional de Leiria.
E ainda...
A ...o mais infeliz dos post...
S Assim estamos inteiramente de acordo!
S A continuidade da política internacional Kenneth Waltz via A Praia
I DON'T TAKE YOUR GUNS TO TOWN
M Foi hoje inaugurado o novo Aeroporto Internacional de Leiria.
E ainda...
Foi hoje inaugurado o novo Aeroporto Internacional de Leiria.
(Act.)
Foi inaugurado há poucos instantes o novo Aeroporto Internacional de Leiria. O acontecimento foi acompanhado por centenas de espectadores que se dirigiram em massa para as imediações da Estação de Serviço de Leiria localizada no novo complexo aeroportuário.
Este inesperado acontecimento passou despercebido das entidades responsáveis pelo projecto da Ota, bem como, dos especialistas espanhóis que preparam o eventual aeroporto internacional de Badajoz. Admite-se que a edificação aeroportuária, agora inaugurada, esteve prestes a ser descoberta pela NASA no passado mês de Agosto, fruto da particular atenção dedicada à observação por satélite realizada na região, em virtude dos incêndios aí deflagrados. As nuvens de fumo terão, contudo, evitado a revelação pública do empreendimento.
O primeiro avião aterrou há poucos minutos tendo-se seguido efusivos festejos entre todos os presentes. Vamos em directo para o local da notícia.
(Act.)
Foi inaugurado há poucos instantes o novo Aeroporto Internacional de Leiria. O acontecimento foi acompanhado por centenas de espectadores que se dirigiram em massa para as imediações da Estação de Serviço de Leiria localizada no novo complexo aeroportuário.
Este inesperado acontecimento passou despercebido das entidades responsáveis pelo projecto da Ota, bem como, dos especialistas espanhóis que preparam o eventual aeroporto internacional de Badajoz. Admite-se que a edificação aeroportuária, agora inaugurada, esteve prestes a ser descoberta pela NASA no passado mês de Agosto, fruto da particular atenção dedicada à observação por satélite realizada na região, em virtude dos incêndios aí deflagrados. As nuvens de fumo terão, contudo, evitado a revelação pública do empreendimento.
O primeiro avião aterrou há poucos minutos tendo-se seguido efusivos festejos entre todos os presentes. Vamos em directo para o local da notícia.
DON'T TAKE YOUR GUNS TO TOWN
By John R. Cash
Recorded 8/13/58
A young cowboy named Billy Joe
Grew restless on the farm
A boy filled with wanderlust
Who really meant no harm
He changed his clothes and shined his boots
And combed his dark hair down
And his mother cried as he walked out;
Refrain:
"Don't take your guns to town, son
Leave your guns at home, Bill
Don't take your guns to town."
He sang a song as on he rode,
His guns hung at his hips
He rode into a cattle town,
A smile upon his lips
He stopped and walked into a bar and laid his money down
But his mother's words echoed again;
Refrain:
"Don't take your guns to town, son
Leave your guns at home, Bill
Don't take your guns to town."
He drank his first strong liquor then to calm his shaking hand
And tried to tell himself at last he had become a man
A dusty cowpoke at his side began to laugh him down
And he heard again his mother's words;
Refrain:
"Don't take your guns to town, son
Leave your guns at home, Bill
Don't take your guns to town."
Bill was raged and Billy Joe reached for his gun to draw
But the stranger drew his gun and fired before he even saw
As Billy Joe fell to the floor the crowd all gathered 'round
And wondered at his final words;
Refrain:
"Don't take your guns to town, son
Leave your guns at home, Bill
Don't take your guns to town."
By John R. Cash
Recorded 8/13/58
A young cowboy named Billy Joe
Grew restless on the farm
A boy filled with wanderlust
Who really meant no harm
He changed his clothes and shined his boots
And combed his dark hair down
And his mother cried as he walked out;
Refrain:
"Don't take your guns to town, son
Leave your guns at home, Bill
Don't take your guns to town."
He sang a song as on he rode,
His guns hung at his hips
He rode into a cattle town,
A smile upon his lips
He stopped and walked into a bar and laid his money down
But his mother's words echoed again;
Refrain:
"Don't take your guns to town, son
Leave your guns at home, Bill
Don't take your guns to town."
He drank his first strong liquor then to calm his shaking hand
And tried to tell himself at last he had become a man
A dusty cowpoke at his side began to laugh him down
And he heard again his mother's words;
Refrain:
"Don't take your guns to town, son
Leave your guns at home, Bill
Don't take your guns to town."
Bill was raged and Billy Joe reached for his gun to draw
But the stranger drew his gun and fired before he even saw
As Billy Joe fell to the floor the crowd all gathered 'round
And wondered at his final words;
Refrain:
"Don't take your guns to town, son
Leave your guns at home, Bill
Don't take your guns to town."
Também a não perder:
Notas sobre o texto anterior na mesma Praia.
Pela minha parte agradeço ao Ivan, a tradução e os dois post. Esperemos que muitos aceitem o seu repto final.
Notas sobre o texto anterior na mesma Praia.
Pela minha parte agradeço ao Ivan, a tradução e os dois post. Esperemos que muitos aceitem o seu repto final.
A continuidade da política internacional Kenneth Waltz via A Praia
(...) Antes do declínio e desaparecimento da União Soviética, os Estados fracos e os descontentes podiam esperar ganhar alguma coisa lançando uma superpotência contra a outra. Agora os fracos e os descontentes estão sozinhos. Sem surpresa, atiram-se aos Estados Unidos como o agente ou símbolo do seu sofrimento. Os actos terroristas de 11 de Setembro impeliram os Estados Unidos a alargar as suas já insufladas forças militares e a estender a sua influência a partes do mundo que os seus tentáculos não tinham ainda alcançado.
Feliz ou infelizmente, os terroristas contribuem para a continuidade da política internacional. Dão sequência a tendências já em curso. Por que é que a perspectiva do terror não altera os factos essenciais da política internacional? Porque todos os Estados – sejam autoritários ou democráticos, tradicionais ou modernos, religiosos ou seculares – temem ser seus alvos. Os governos prezam a estabilidade, e acima de tudo prezam a continuação dos seus próprios regimes. O terror é uma ameaça à estabilidade dos Estados e à tranquilidade dos seus governantes. Por isso é que o presidente Bush pôde com tanta facilidade reunir uma coligação com um quilómetro de tamanho.
Contudo, como o terrorismo é uma arma de fracos, os terroristas não ameaçam seriamente a segurança dos Estados. Os Estados não se vêem por isso compelidos a unir-se para contrabalançar a relação de forças mundial. Os atentados terroristas não alteram as principais bases em que assenta a política internacional nem alteram uma situação de recorrentes crises. É por isso que, embora tenha um quilómetro de tamanho, a coligação anti-terrorista tem apenas um centímetro de espessura.
(...) Antes do declínio e desaparecimento da União Soviética, os Estados fracos e os descontentes podiam esperar ganhar alguma coisa lançando uma superpotência contra a outra. Agora os fracos e os descontentes estão sozinhos. Sem surpresa, atiram-se aos Estados Unidos como o agente ou símbolo do seu sofrimento. Os actos terroristas de 11 de Setembro impeliram os Estados Unidos a alargar as suas já insufladas forças militares e a estender a sua influência a partes do mundo que os seus tentáculos não tinham ainda alcançado.
Feliz ou infelizmente, os terroristas contribuem para a continuidade da política internacional. Dão sequência a tendências já em curso. Por que é que a perspectiva do terror não altera os factos essenciais da política internacional? Porque todos os Estados – sejam autoritários ou democráticos, tradicionais ou modernos, religiosos ou seculares – temem ser seus alvos. Os governos prezam a estabilidade, e acima de tudo prezam a continuação dos seus próprios regimes. O terror é uma ameaça à estabilidade dos Estados e à tranquilidade dos seus governantes. Por isso é que o presidente Bush pôde com tanta facilidade reunir uma coligação com um quilómetro de tamanho.
Contudo, como o terrorismo é uma arma de fracos, os terroristas não ameaçam seriamente a segurança dos Estados. Os Estados não se vêem por isso compelidos a unir-se para contrabalançar a relação de forças mundial. Os atentados terroristas não alteram as principais bases em que assenta a política internacional nem alteram uma situação de recorrentes crises. É por isso que, embora tenha um quilómetro de tamanho, a coligação anti-terrorista tem apenas um centímetro de espessura.
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