domingo, agosto 31, 2003

Ter uma religião é um anacronismo pré-histórico ou ainda somos demasiado imperfeitos para compreender Deus?

A pergunta ali de cima é quase irrelevante, ou melhor, a sua resposta. Há um desabafo que tenho de aqui deixar nas linhas que seguem.

Que vê um agnóstico, ateu e/ou herege à sua volta que lhe leve a desejar uma aproximação à religiosidade proposta por qualquer das religiões dominantes (Judaismo/Cristianismo/Islamismo, por exemplo)?

Fui educado e admiro muito do que me propõe o cristianismo. Pratico-o inconscientemente e conscientemente de diversas formas. Em larga medida não distingo o que sigo do que vou ouvindo de outras religiões monoteistas. Mas prefiro o desconforto de não imaginar um final seguro e compensador, um sentido certo para as minhas dúvidas )ainda que esta não seja condição existencial de muitos admiráveis convertidos, felizmente). Prefiro não ter certeza quanto a um céu para o qual o caminho se faz através de uma cartilha demasiado categórica e exclusivista. Uma cartilha que ainda assim poucos seguem e reconhecem na vida mundana, pelo que vejo e conheço.
É-me cada vez mais difícil distinguir os benefícios de partilhar um credo, um livro sagrado.

Quanto mais vejo o oposto do que se professa mais me revoltam os rituais. Quem não é contra alguém? Tu que tens religião, que segues um Deus, respeitas-me? De onde me olhas?
Pensa o que dizes, ouve o que lês no teu Livro e depois olha em volta. Espero poder pedir-te isso, pelo menos.

Respeitar a vida.
Reconhecer o Amor e vivê-lo, lutar por ele sempre.
Exigir o respeito, a integridade, a honestidade.
Procurar evitar o erro, limitá-lo com a emenda.
Questionar, tentar responder.

Imagino o mundo seguindo pouco mais do que isto. Quem me nega esse direito? Onde colido com as tuas crenças? Porque não nos entendemos? Porque não podemos duvidar em conjunto? E viver, discutir, sorrir, amar, morrer?

O medo e a estupidez são de facto o maior programa de destruição em massa promovido por seres vivos. Sempre foram e continuam a ser.

Enquanto durar e até melhor esclarecimento vou seguir o meu caminho.

Bem hajam! Dizer “bem hajam” é desejar-vos bem, que o bem esteja convosco, mas é também pedir-vos uma certa forma de agir, de estar, universal e irrenunciável. Como se houvesse algo além dos Deuses. Fiquem bem!
Bed time stories I

Era uma vez um lider religioso da tribo xiita. O líder falava para a multidão de crentes e apelava ao respeito pelas tropas americanas que haviam eliminado a máquina que oprimia os membros da tribo. Minutos depois perecia com mais 80 dezenas de concidadãos num atentado.
No dia seguinte, enquanto em procissão se chorava a perda, os enlutados afirmavam que não se subjugariam ao invasor, que não o tolerariam.

Quem pôs a bomba senhor Poirot e porquê?
Será que temos Íntima Fracção hoje?

O que é a Íntima Fracção? Talvez uma bela resposta ao que é a noite... Ou talvez não.
Férias II: Dia 29 de Agosto

Finalmente Monsanto. Depois de tantos anos de reverência a cada passagem entre Castelo Branco e Penamacor, finalmente Monsanto.
Sempre tive o granito por perto, mesmo aqui cerca de Lisboa. A Mãe estava lá, na figura de Sintra. Sempre gostei de escalar a serra: Santa Marta, Galeota (Sortelha a Velha), Sortelha, Estrela, São Macário, Montemuro, Penha Garcia, São Mamede, Marvão, Monchique, Monsanto...
A charneca de Namora, o rio Pônsul dos Romanos e da magnífica Egiditânea (Idanha-a-Velha), os contra fortes de Penha Garcia, as primeiras terras de Espanha, as planuras do Alentejo que de adivinham em direcção ao Rosmaninhal. A Gardunha, a Estrela. Tanto que se vê do alto de Monsanto.

E que mais tem Monsanto (em duas horas de estadia) tem a história das pedras e dos homens contada como em poucos lugares. Tem gente que se espanta a cada esquina e tem gente que se envaidece com a "Sua rua". Senhoras de cabelos grisalhos, com ou sem Marafonas para vender, convidam-nos a descer pela sua rua. "Há que variar!", " Então a nossa rua não é também bonita?" perguntam-nos do alto balcão (festival de flores em pequenos canteiros) quando nos decidimos por aquela quelha. "É pois!" respondo como se o Turista fosse. O único e teimoso turista que todos os dias por ali se aventura.
Entre a Igreja e a casa de Fernando Namora ganho um Adufe, um dos autênticos de pele de porco esticada . Singelo, de poucos floreados, como sempre o imaginei e conheci desde menino. Tira verde a prender as peles, remates de trapo coloridos nos vértices, pedras e guizos no interior para convencer a bela raiana a virar costas a Castela. Soubera eu tocar! Para o ano há mais.
Férias I: Dia 19 de Agosto

Depois de uma curva apertada em direcção a Arouca na estrada Castro Daire - Castelo de Paiva:

Eucaliptos e mais eucaliptos, novas sementeiras. Ao longe imaginava vinhas novas, novos socalcos. Os perfumados da Austrália, afinal.

Outra curva apertada sempre subindo até chegar a uma curiosa terra por ter curioso nome: Pirraça:

A TSF vai avisando "as autoridade das Nações Unidas afirmam que Sérgio Vieira de Melo se encontra gravemente ferido"... De imediato lembro-me de Rabin. O baque foi parecido sem dúvida... Se fosse mais velho talvez então me lembrasse também de Sadat... Nem só o terror se alimenta de mártires.

Começa a descida, surgem as ravinas, as pontes mágicas, Arouca:

O que se vê em duas horas? Em Arouca está-se. Não a imaginava repouso dos guerreiros do Porto mas parece ser... Além de ser por si, com gente nos bancos das praças, conversando, mirando os estrangeiros. Cafezando a meio da tarde, passeando no Jardim. Onde se come um bom pão de ló? Mais além, já a sair, diz-nos a simpática funcionária dos correios que nos resolve a urgência que nos manda Lisboa.

Segue-se Castelo de Paiva, o Douro, um pulo a Entre os Rios e uma outra Marginal a juntar a tantas outras até Cinfães. Por fim, o regresso, até ao último sítio do mundo, o último a desaparecer no fim dos tempos, no alto da Serra do Montemuro. O regresso aos enigmas, às siglas misteriosas da Ermida românica do médio Paiva. O regresso à companhia das bogas, das trutas, libelinhas e alfaiates. Que belo Algarve como se entre Lagos e Sagres, sem a dúvida das ondas, com a constância da água entre o granito. Um beijo apaixonado. Uma teimosia em resgatar um momento feliz.

sábado, agosto 30, 2003

TSF

Registo de coisas más por um ouvinte:

O Flashback acabou.

O desporto em directo (no futebol) resume-se aos três grandes. Nem o Leiria na Europa entrou no orçamento...
Ora viva!

Estou a tentar pôr a escrita em dia. Foram 15 dias de ausência total destas lides (sempre por terras das Beiras).
Desde já peço desculpas pelo atraso no comentário aos comentário que foram aqui deixando mas foi por uma boa causa. Por umas serenas e bem desejadas férias saltitando de recanto em recanto junto de quem mais próximo me fala do coração. Desconfio que enchi mais um belo álbum de saborosas recordações que vão directas para a farmácia de medicamentos a usar em dias de necessidade.
Quanto ao blogue estou espantado com as visitas regulares em tempo de férias e julgo que nesse mesmo entretanto o Adufe foi referido por um bom punhado de bloggers - julgo porque o technorati depois de breves instantes onde mal entrevi as referências flipou. Lá chegaremos.
Agora se me dão licença, ainda antes de voltar às minhas palavras, vou espreitar um bocadinho das palavras dos outros. De que Agosto ou Agostos falaram?...
Até breve. E bem hajam.
Quack! I'm back!

Até mais logo à noite!

sábado, agosto 16, 2003

ESTOU DE FÉRIAS: Para se entreterem...

Além dos interessantíssimos posts que se amontoam lá mais em baixo [vou de férias atrás da humildade perdida :)] podem sempre estudar esta brilhante árvore pato-lógica!


Ultima nota

Só uma nota final para o Carimbo cujo regresso, depois de uma curta ausência, saúdo.
Ainda o General Silva Viegas (e para fechar da minha parte).
Julgo que os argumentos estão quase esgotados pois encontro resposta às últimas considerações do Carimbo no meu último post sobre a matéria e provavelmente o sentimento é mútuo. Mas... Por simpatia com os defeitos do Carimbo que partilho (o da teimosia) regresso à polémica General Silva Viegas (GSV) (d)enunciando hipóteses alternativas às conjecturadas pelo Carimbo. Espero que, apesar de tudo, esclareçam o que me levou a tomar a posição que tomei.

Imagine que o GSV foi de facto humilhado no exercício das suas funções. Imagine que o ministro da defesa lhe pediu favores às margens do exigível pelo regular exercício das funções do CEME (por exemplo, a história que GSV julgo ter confirmado da tentativa de atropelo no esquema de promoções de oficiais) e imagine que o PR conhece e reconhece estes factos.
Naturalmente, o PR sabe mais do que qualquer um de nós que nos envolvemos na polémica.
O PR não pode usar a bomba atómica forçando Durão Barroso a demitir um ministro da Defesa que é simultaneamente o garante de uma maioria absoluta. Ou melhor, poder pode, mas não quer, nem considera, apesar de tudo, justificado. O dano para o País seria demasiado grave, desproporcionado.
O PR pode, no entanto, fazer uma afirmação política elogiando o comportamento do GSV e desta forma rejeitando qualificar como injustificados os motivos da sua saída e limpar o Exército da humilhação a que foi sujeito na figura do CEME pelo Ministro da Defesa.
Se não o fizesse perderia o ascendente moral conquistado e que tem de manter sobre as tropas enquanto chefe supremo das mesmas. Por outro lado, estaria a corroborar integralmente o comportamento do Ministro da Defesa. E que eu saiba nada obriga o PR a imaginar um conflito entre políticos e militares no qual seja obrigado a tomar o partido dos primeiros, seus pares (?), sabendo que a asneira fôra destes.
Ou seja, o PR teria preferido a demissão de PP, mas o caso não foi suficientemente grave para se dissolver a Assembleia pois, poderá ter sido esse o cenário oferecido por Durão Barroso perante o hipotético pedido de exoneração do Ministro da Defesa que Jorge Sampaio tenha feito. Muito provavelmente Jorge Sampaio não terá chegado a colocar a proposta na mesa por saber de antemão a resposta... Hipóteses e mais hipóteses.

Mas a leitura que eu tiro dos elogios ao GSV é exactamente esta. O PR acompanha há quase uma década o relacionamento entre o poder político e os militares, sabe até onde se pode esticar a corda e sabe o que fazer para limitar avarias e repor a justiça com os meios que a constituição coloca ao seu dispor num regime semi-presidencialista. O PR colocou o ónus da culpa claramente no Ministro da Defesa, ele foi o infractor que promoveu a invulgar saída do CEME. Por outras, o CEME reagiu... E lembro que mesmo tendo-o feito como o fez, arrancou rasgados elogios do Ministro da Defesa(!). Se isto não é de pasmar... Claro que não é de pasmar. Não é porque PP já sabia o que o esperava. Sabia o que tinha feito e sabia o que o PR iria fazer. Em nenhum momento iria tomar as suas dores. Logo, toca de confundir tudo e todos ridicularizando-se em encómios e mais encómios ao demissionário Genral Silva Viegas. Enfim... Mais do que isto não sei dizer. Se quiser(em) continuar a catalogar o comportamento do PR como um favor ao PS... do presidente de todos os portugueses socialistas... É um direito que teimosamente lhe (vos) assiste :)

Até à próxima polémica que eu agora vou a banhos... fluviais!

Vou de férias...

Regresso em Setembro.
Hei-de trazer o som de um adufe pesaroso lá das terras da Senhora do Almortão. Mas ainda vou com a esperança de ver verdejante o último concelho do Distrito de Castelo Branco que não foi fortemente manchado de cinzas.

Deixo-vos mais um texto de um proto-blogue. Algo que escrevi de supetão há 5 ou 6 anos para o DN Jovem. Um resumo de uma pseudo emissão de uma TSF de há 500 anos.
Encerro por agora uma espécie de ciclo que me tem acompanhado (estranhamente) nas últimas semanas. Um ciclo sob o signo do judaísmo. Hei-de passar por terras de judeus nestas férias.

Subscrevo-me,
Um herege respeitador.
Fiquem bem e bem hajam.
PROGROM: Para mais detalhes sobre o texto ali em baixo dê um saltinho aqui. Um site de judeus do Brasil.
Memórias de um proto-blogue VII

Excerto da emissão radiofónica de 8 de Abril de 1516, da Portugal FM Real Emissora Nacional

«A Portugal FM apresenta:
Novos Mundos
Espaço de informação e debate com Gonçalo Cortez.

Gonçalo Cortez (GC): Muito boa tarde senhores ouvintes. Inicia-se mais uma edição de Novos Mundos, desta feita em directo da Ribeira de Lisboa. À nossa frente está fundeada e pronta para zarpar a primeira frota portuguesa a demandar o caminho da India neste ano da graça de 1516. A azáfama visível na beira rio é bem característica dos últimos preparativos para aquela que se espera mais uma proveitosa empresa para o reino e para o distinto capitão, sendo este, se não estou falho de memória, D. Lopo de Orgens. Como pano de fundo para o nosso espaço de entrevista temos o grandioso Paço da Ribeira onde a corte prepara uma festa de Boa Fortuna em homenagem aos marinheiros, prestada na pessoa do seu capitão. Ainda há poucos instante tivemos oportunidade de saudar El Rei e sua esplendorosa comitiva, quando este terminou mais um dos seus tradicionais passeios pela capital. Saiba-se que D. Manuel se mostrou em sedosos panos de tom azul marinho pontuados com pequenos adornos dourados e cintilantes. Sua majestade revelou um sorriso constante e apresentava um semblante calmo e um olhar confiante. Voltaremos dentro de momentos para vos apresentar os entrevistados de hoje. Fique connosco, somos a Portugal FM.

Publicidade: Grande venda de escravos do Mestre André! Amanhã, na praça do Pelourinho Velho. Lotes de 2, 4 e 6 escravos servis e qualificados para todas as tarefas! Em apresentação machos e fêmeas provenientes da melhor terra de Africa. Você merece! A venda terá lugar de manhã, pelas dez horas. Não se arrependa depois, apareça! Olhe que o seu vizinho vai estar lá!...

GC: Ao meu lado tenho os dois entrevistados de hoje, ambos são lisboetas e ambos se passeavam aqui pela Ribeira há cerca de uma hora, altura em que os interpelámos e convidámos a participarem na nossa entrevista semanal. À minha direita tenho Damião Vicente, de 26 anos. Damião foi antigo soldado na India com D. Francisco de Almeida, escriba de alugo no Pelouro Velho durante um ano e de momento é animador da corte, colaborando com Gil Vicente com quem, realce-se, não tem laço familiares. À minha esquerda tenho Mafalda Capitoa, de 29 anos, peixeira no mercado da ribeira desde que se lembra. Agradeço a vossa disponibilidade para estarem presentes nesta entrevista.
O assunto principal que pretendo abordar convosco é a “Matança de Pascoela” sobre a qual se comemoram hoje precisamente 10 anos. Antes de vos pedir opinião e de fazermos o balanço da situação nestes dias, proponho que ouçamos uma peça preparada por Álvaro Torres sobre o massacre de há dez anos...

AT: Em Abril de 1506 a cidade de Lisboa vivia os horrores da peste e da impotência. Os habitantes procuravam através de rituais e cerimónias sagradas manter a fé. Reforçavam-se os apelos à misericórdia divina.
No dia 8 desse mês, comemorou-se o Domingo de Pascoela, por toda a cidade se realizaram procissões e serviços religiosos em memória dos que haviam sido levados pela doença e em favor dos pecadores que aos milhares rogavam por vida sã. Segundo mais tarde apuraram os conselheiros do rei e os nossos reporteres, no Mosteiro de São Domingos, o solo sagrado esteve perto de ser tingido de sangue, sangue de cristão-novo. Em pleno serviço, aos gritos de “Milagre!”, entoados pela massa ávida por revelações e apoio divino, sobrepuseram-se as considerações de uma alma menos crédula. Uma luz ou um sinal? Um cristão-novo apregoava que o que se via no altar era um reflexo de luz, que entrava por uma fresta; a multidão indignou-se perante a negação da sua visão e encontrou assim sobre quem exercer a catarse. Um alvo perfeito por ser estranho, diferente, introvertido e invejável na riqueza, um culpado inquestionável: o «Assassino de Jesus!». Num ai, toda a cidade gritava as palavras condenatórias, toda a cidade espancava e sofria. Em dois dias morreram mais de dois milhares de cristãos-novos, às mãos de outros lisboeta, atiçados por ditos “puros” da fé cristã. Estava consumado um dos dias mais sangrentos da história desta cidade. Sua majestade, indignada com o desrespeito pelas suas ordenações sobre os cristãos-novos, puniu severamente os “puros” e mais 50 de Lisboa morreram em consequência; desta feita, na forca. A cidade perdeu alguns dos favores do rei e o país ou se calou por vergonha ou ficou num murmúrio cúmplice. Hoje, passados 10 anos, são ainda frequentes quezílias com pretexto religioso e o massacre, se bem que nunca mais repetido, surge ainda bem vivo na memória de uns e de outros, atravancando a boa vivência entre todos os de Portugal.

GC: Mais um trabalho de Álvaro Torres para a Portugal FM.
Já a seguir à publicidade vamos ouvir os comentários dos dois lisboetas convidados.

Publicidade: Se está farto, fartinho da poalha e dos maus cheiros que infestam a cidade, se enjoou a paleta de tecidos que tem em casa e procura algo diferente, se tem problemas com a digestão ou se a comida não lhe sabe bem, se sofre de dores frequentes nas cruzes e se tem caruncho nas pernas... Venha à loja de António Pais de Açafrão, o mais experimentado e viajado dos comerciantes com negócio na capital! Desde as especiarias mais raras da Asia, às mais puras águas de Sintra, tudo encontrará na mais frequentada e melhor apetrechada loja de Lisboa. Para o povo e fidalguia, a todos servir com esmero! António Pais de Açafrão, à Rua Nova dos Mercadores.

GC: Mafalda Capitoa, o que se lhe oferece dizer neste aniversário da “Matança da Pascoela”?

Mafalda Capitoa (MC).: Eu não tenho nada contra essa gente. Eu não lido com eles, nem eles me compram peixe porque sabem bem que já os topei há muito. São uns falsos! Mas isso é lá com eles, não tenho que ver com isso. É com eles e com as suas almas. Deus não é cego! Ele tratará de os julgar. Por mim, desde que não me chateiem, nem me atrapalhem o negócio... Tudo bem. Agora, nesse dia da Matança, eles estavam a pedi-las! Já se dizia por toda a cidade que tinha sido um deles que tinha trazido a peste num barco que veio de Roma, depois, quando toda a cidade organizava preces e romarias, eles surgiam sempre com cara de poucos amigo e enfadados... É que nem disfarçavam! Naquele dia, disse-me a Alzira, minha vizinha, que estava lá em São Domingos, eles fizeram chacota do Espirito Santo que apareceu no altar!! O que é que seria de se esperar? Foi o que se sabe: arrastaram-nos à praça e entregaram-nos ao Senhor. E Este? Valeu-lhes? Acha que se fossem verdadeiros cristãos ele teria permitido tamanha perdição?

GC: Como interpretou a reacção do Rei?

MC: O rei estava lá longe, em Aviz, longe da peste e não foi bem informado. Os convertidos sempre tiveram amigos importantes na corte e assim sendo não é dificil maldizer o que aconteceu. Quando a notícia chegou aos ouvidos de sua majestade nós já eramos pintados de seres diabólicos e traidores! Mas é assim, o povo de Lisboa já sobreviveu a tormentas bem piores. E o amuo do rei já passou há muito tempo! Não o viu hoje com o cortejo pela cidade? Estava um poço de sorrisos e boa disposição, home!

GC: E você, Damião Vicente, que pensa deste assunto? Acha possível repetir-se uma matança como a de há 10 anos?

Damião Vicente (DV): Deus nos livre de repetir tamanho pecado. Pois se o Rei já esqueceu e perdoou, Deus tem a memória mais comprida, senhora peixeira! Não traga nos favores das suas preces as almas dos que matámos no meio daquela loucura e depois admire-se do que lhe calhar no juizo final! Foi coisa de bárbaros, meus senhores! Pois eles não morriam de peste como nós? Não traziam no olhar o desepero de quem tinha perdido meia família? E que história é essa de fazerem chacota do Espirito Santo que apareceu em São Domingos? Eu, com estes, já vi o tal “Espirito Santo” dezenas de vezes no Mosteiro de São Domingos e já o tinha visto outras tantas antes daquela época! Era uma reflexo, sim senhor! E se não fosse? Onde estava a cristandade de amparar quem duvidava, inundando-o com a sabedoria de quem tem fé? Quem nunca duvidou entre os cristãos? Esta cidade está cheia e a encher por todas as portas! Vêm do interior, vêm de além mar, têm cores diferentes, diferentes hábitos e saberes... O que será de nós se a todos culparmos do que não sabemos, conhecemos ou não podemos combater? Como poderá esta ser a capital do mundo e nós o povo de paz e união que se exige entre os filhos de Deus? Porque todos o somos, à sua imagem e semelhança!

MC: Tanto que peleja por tão pouca gente, Damião Vicente animador de sua majestade!

DV: Tanto que se resolveu com a Matança de Pascoela peixeira de quem lhe aprouver! Por ventura desapareceu a peste?

MC: Porventura desapareceram todos os cristão-novos da nossa cidade?

DV: E não tem vossemecê nada contra “tal gente”!!

GC.: Bom, não me cabe a mim ajuizar e considerar sobre as vossas opiniões, mas penso que os nossos ouvintes já têm dados suficiente para reflectir sobre o que dissesteis. Antes de terminarmos e uma vez que estamos em Lisboa, queria dar-vos a oportunidade, aliás como fazemos em todas as cidades por onde temos passado e com todos os entrevistados que convidamos, queria dar-vos a oportunidade, dizia, de que expressasseis quais os principais problemas da vossa cidade e quais os que gostarieis de ver resolvidos o mais depressa possível. Mafalda Capitoa.

MC: Já não é para falar dos judeus?

GC: Não. Diga-nos o que está mal na cidade, na sua opinião. Pode ser que alguém nos ouça...

MC: Olhe o que está mal é que haja tanto miserável pela cidade. Há por aí gente a morrer pelos cantos que é um dó. Pois se veêm que temos cá escravos que cheguem e que não há quem lhes dê ofício, porque insistem em ficar em Lisboa? Sim, que muitos deles vêm de fora e cá ficam a apodrecer e a empestar a cidade! O Rei que os ponha fora das muralhas e os mande para o campo que boa falta lá fazem. Fique a saber que a minha prima Deolinda que esteve numa terrinha perto de Felgueiras me disse que nem braços havia para tocar o sino! Pois não estava um homem como convém em toda a aldeia, só as mulheres, velhos e crianças! O resto, andava entre portos ou vinha a caminho de Lisboa à sorte melhor. E depois vê-mo-los aqui: uns a definharem sem sustento e doentes, outros a estourarem o que têm no vinho ou no jogo, sempre à porrada... Isto é que está mal. O lugar deles não é aqui.

GC: Damião Vicente...

DV: Então e a poeirada, os buracos e caboucos novos que aparecem a cada dia não incomodam tanto quanto essa miséria que não é escolhida mas destinada por estranhos andares do mundo e deste país? Pois se a um lado desses miseráveis se erguem monumentos, mosteiros, conventos e armazéns e ao outro passam fidalgos, senhoritos e até, com todo o respeito, peixeiras com corgalhos de escravos atrás, prontos, talvez, para lhes limpar o cu, não acha que isso é no mínimo igualmente chocante? Construa-se, digo eu, que são precisos os hospitais, os mosteiros, conventos, paço e armazéns. Afinal, esta cidade quer-se digna da nossa façanha. Mas não se ofusquem com vaidades e brilhos vãos os de Lisboa e os do país que aqui chegam como moscas ao esterco. Aprendi que na guerra, no mar e na vida tudo exige equilíbrio e talento. A nau quer-se, e tem de se querer, bem equilibrada antes de se fazer ao mar, pois, de outro modo, não se verá outro porto que o da largada. Connosco, aqui em Lisboa, o risco é o mesmo. E o que custa ler as escrituras e de lá tirar estes ensinamentos? Tanto penou Abrão pelo seu vale fertil e para quê? Para esbanjá-lo confiando na riqueza de amanhã só porque foi boa o colheita deste ano? Onde estariamos sem a riqueza que há-de navegar, sabe-se lá até quando, nestas naus que aqui temos à frente?

MC: Tanta palavra vossemecê diz que já me tenho tonta, homem! Fico-me com esta: Buscámos, encontrámos. O antigamente já passou. O que vê é bom, por isso, goze-o enquanto cá anda que nisto da vida homem e peixe estão sempre a trocar de lugar na ponta do anzol. Quanto ao equilibrio, o que interessa é o da balança da Casa da Índia: que se continuem a pôr muitas medidas para chegar à conta do ouro e da especiaria.

GC: Assim termina mais um Novos Mundos, neste dia 8 de Abril de 1516. Para a semana não haverá programa:s estaremos de viagem em direcção a Faro onde faremos uma entrevista em exclusivo com o Feitor da Mina em visita ao Algarve. Boa noite e continue com a Portugal FM. Já a seguir e satisfazendo o pedido de vários ouvintes vamos retransmitir a «Farsa do Velho da Horta» da autoria de Gil Vicente, gravada há quatros anos no Paço da Ribeira.»

Fim

Dados Estóricos Importantes:
- Álvaro Torres foi queimado num auto-de fé em 1541 acusado de heresia.
- Damião Vicente foi persseguido pela inquisição e crê-se que tenha fugido para o Brasil onde residiu sob falsa identidade.
- Mafalda Capitoa foi queimada juntamente com as suas quatro criadas escravas num auto-de-fé em 1541, acusadas de associação com o demónio e bruxaria.
- Gonçalo Cortez abandonou Lisboa no ano em que se instaurou o Santo Ofício e passou os seus dias a puxar o sino numa aldeizinha perto de Felgueiras na companhia de uma tal Deolinda que conheceu pouco depois desta entrevista numa das suas viagens pelo país
- Autor está farto de inventar nomes pseudo quinhentista e anda a tentar perceber em que é que o seu subconsciente se baseou para o consciente agora se perguntar porque é que o português que colocou na boca de personagens do século XVI resulta num linguajar tão arrevesado.

Mem Martins, 1998 (?)

quinta-feira, agosto 14, 2003

Memórias de um Proto-Blogue VI
O cão do meu vizinho

Lá esta ele encostado à sombra do muro do quintal, dormitando sob o calor da primeira tarde de verão. De há um par de anos para cá a vida deste cão castanho, tamanho médio em medida de cão, resume-se a uma rígida rotina.
Gastam-lhe os dias encurralando-o num pequeno espaço do quintal: uma parte elevada onde deveria ser o estendedal de roupa, aí coisa para 12 metros por metro e meio.
A um dos cantos, encostada ao muro, tem a sua barraca improvisada de dois andares: tijolos para as paredes, placa de contraplacado entre pisos e telhado de tábuas e alcatifa velha.
O muro em três lados do rectângulo e o abismo de mais de dois metros do outro, bem como, um resto de estrado de cama colocado ao cimo da escadaria que dá acesso a esta moradia do cão, impedem o animal de alargar horizontes.

Acorda bem cedo, dá uns pinotes para espreguiçar e aclara o latido, cada vez mais raramente. Depois, anima-se com alguma vida que surge na parte de baixo do quintal, aninha-se de olhos e orelhas atentos e assim fica até chegarem os restos do almoço. Nessa altura, mais uma sessão de pinotes e cabriolas se não for dia de estar encharcado pela chuva que entra por todos os cantos da sua casota sem portado.

Uma boa tarde para o animal deve ser bastante parecida com esta, esticado à sombra fazendo a sesta; falta talvez um gato.
Ocasionalmente, uma pequena reentrância do muro é utilizada pelos gatos das redondezas para atravessarem este quintal. O cão têm então a emoção da semana ladrando, saltanto, mas apenas cheirando o gato ligeiro que já há muito conhece as limitações dos pulos do cão. Em regra, ido o gato, segue-se sessão de latidos e perseguições ao próprio rabo, naquilo que parece ser uma imensa mistura de emoções, entre a ansiedade, a frustração e uma pontinha de alegria pelo breve sabor a vida. Certos dias, após a aparição do gato, há ainda mijadelas pelos cantos do rectângulo e cagadelas apressadas no extremo oposto à casota.

Ao sábado, ou ao domingo, é tempo de mangueirada à propriedade e ao seu residente; com sorte é verão, está calor e o dono vem com uma rara vontade de dar trela aos graçejos do bicho.

Após os restos do jantar o cão ruma à casota, 1º andar, e por ali fica com o focinho entre as patas, talvez à espera do embalo de uma lua nascente, talvez lembrando o pequeno companheiro, padrasto e amigo que morreu aproveitando-se da misericordiosa eutanásia realizada por um veterinário que lhe diagnosticou um cancro em fase terminal, há coisa de dois anos.
A casota está mais vazia, já não há guerras brincalhonas no rectângulo onde o cão grande, mais novo, se vencia perante o empertigado meia leca que o acolhera com pouco custo na propriedade. Já não há cenas gay quando o vento muda de direcção. Já não há desgarradas barulhentas. Restam os gatos, às vezes um pardal distraido, ou um pedaço de osso mais abaulado e saltitante.
Às vezes, o cão fica-se com se num pedestal de rabo e focinho bem esticados, orelhas em frente e olhos espectantes, mas o que sai pela porta do quintal raras vezes confirma a espectativa e o focinho volta ao meio das patas. Aos olhos regressa a tristeza e a língua perde-se numa pata dianteira, no enorme trambolho que lhe cresce rapidamente do corpo.
Tanto que eu adivinho desta vida de cão.

19 de Junho de 1998
Hummm...



Para onde irão tão apressados de férias... O semblante é suspeito... E aquele cabelo cor de laranja... Hummm.
Vamos de Férias Milu?

TSF
Quem quer murros no estômago?

Outro apontamento polémico e instrutivo do Guerra e Pas publicado há poucas horas...(aqui) Não me tomem como arrogante ao estar para aqui só a dar dicas. É boa música e eu gosto de sugerir bons tocadores de Adufe.
A seguir atentamente.

Quanto ao Abrupto, se bem o entendi, ao recuperar o diagnóstico e as perspectivas enunciadas num artigo de 2000, denuncia, na conjuntura actual, o governo como co-responsável pela extinção da TSF enquanto rádio noticiosa. Fica um excerto e a ligação para o texto integral (que já quase todos terão lido mas enfim). Termino no final com um breve considerando...

"(...)«Já ninguém é suficientemente ingénuo para pensar que a interferência do governo na comunicação social se faz por telefonemas directos dos ministros, embora ainda os haja. As formas são mais sofisticadas uma das quais são as "reestruturações" em nome da eficácia dos "negócios" que condicionam carreiras, postos, compromissos e o destino de jornais e rádios. Também aí há alguém a premiar quem se porta bem e quem se porta mal e esse alguém está no governo, ou depende do governo.»

Este foi o contexto da compra da Lusomundo pela PT e as consequências previsíveis para quem pensasse um pouco. Acrescento apenas que de há muito penso que um governo, qualquer governo, seja socialista ou social-democrata, não deve controlar órgãos de comunicação social, quer directa, quer indirectamente e que tendo meios para os controlar , usa-os sempre. É válido para a RTP, para a Lusa, para todo o sistema comunicacional ligado a empresas públicas.

Se hoje se vê, no fim da TSF como emissora noticiosa, um manobra grave contra o pluralismo informativo, convém ir atrás, à raiz do problema."


Aparentemente - será que algum dia deixaremos de necessitar deste advérbio? - não será fácil recriar uma nova TSF se houver essa necessidade. Mas esta é uma batalha como já aqui disse. A guerra pelo pluralismo informativo segue também aqui, na blogoesfera...
Este é um dos casos em que dava jeito que a racionalidade económica restringida a uma empresa prevalecesse sobre outros pardos valores.

Como se ganha e perde credibilidade nos média e qual a sua importância para o sucesso /sobrevivência de um orgão de comunicação social concreto?
Bob Hope citado na The Economist de 2 de Agosto

Asked where he wished to be buried, he said "Surprise me!"
Na mosca!! (TSF)

Do Guerra e Pas:

A única solução, a quadratura do círculo, passa por uma reformulação da política comercial da TSF, assumindo perante as agências e os anunciantes que aquele é um Media Vintage, um media onde só alguns podem anunciar e têm de pagar um valor premium por isso. Para tal, a administração tem de acreditar no excelente produto que tem, arregaçar as mangas e bater com o punho na mesa, nas suas reuniões com o mercado. Isso demora tempo, mas estou convencido que é possível.

Assino por baixo...
P.S.: Excelente descrição do mercado da publicidade que em tempos conheci com algum detalhe aqui, no Guerra e Pas.
Strange Angels (Laurie Anderson)

They say that heaven is like TV
A perfect little world
that doesn't really need you
And everything there
is made of light
And the days keep going by
Here they come Here they come
Here they come.

Well it was one of those days larger than life
When your friends came to dinner
and they stayed the night
And then they cleaned out the refrigerator -
They ate everything in sight
And then they stayed up in the living room
And they cried all night

Strange angels - singing just for me
Old stories - they're haunting me
This is nothing
like I thought it would be.

Well I was out in my four door
with the top down.
And I looked up and there they were:
Millions of tiny teardrops
just sort of hanging there
And I didn't know whether to laugh or cry
And I said to myself:
What next big sky?

Strange angels - singing just for me
Their spare change falls on top of me
Rain falling Falling all over me
All over me
Strange angels - singing just for me
Old Stories - they're haunting me
Big changes are coming
Here they come
Here they come.


quarta-feira, agosto 13, 2003

Mais uma do baú
Memórias de um Proto-Blogue V

Crónicas Rapidinhas sobre Tansos:
André e a Secular Rede da Boa Vontade

Chamemos-lhe André. André é um rapaz a rondar os 20 anos, tem uma cara juvenil e uma capacidade de representação razoável. Este rapaz apresenta aos passageiros da linha de Sintra, na estação do Rossio, uma variante interessante do pedinte de comboio. A sua imagem é completamente oposta à do pedinte clássico que ainda vai resistindo: o indivíduo chungoso e fedorento, de baixa estatura e envergadura diminuida pela dependência e pela imunodeficiência adquirida, que vai tentando vender pensos rápidos a 100 paus a dúzia.
O André não é mal parecido, é asseado, anda sempre bem vestido - de pólo ou T-shirt com boas calças de ganga e tenis a condizer ou então de fato cinzento - e faz-se acompanhar de uma pequena pasta portfólio que completa a figura de indefeso estudante do secundário ou universitário.
Composto o boneco, o André lança a linha com um dizer relativamente comum mas ainda não saturado nestas andanças das carroagens de comboio: «A senhora [alvos preferências entre potenciais mães ou pais de adolescentes] não me podia dar qualquer coisa para acabar de pagar o bilhete? É que perdi o passe e estou desprevenido... Só tenho 100 escudos....»

Nos primeiros tempos, o sucesso do esquema é razoável, pois o boneco está bem feitinho e é bem diferente da tal imagem preconcebida a que as pessoas reagem com uma automática recusa.
Quando o André me interpelou pela primeira vez, confesso que fiquei espantado com a sofisticação e demorei mais um segundo do que devia para responder negativamente ao pedido.
Poucos dias depois, volto a encontrar o André no Rossio com outra roupa e outra pasta, mas com o mesmo boneco e esquema. Quase lhe bati palmas: a representação melhorava de dia para dia! No entanto, quando me interpelou novamente, brindei-o com o silêncio e um olhar imperturbável bem fixo na cara dele o que me valeu, desde então, ser poupado a futuras exibições personalizadas.
Hoje, passados alguns meses após o primeiro encontro, tornei a ver o André no comboio (vem lá ao fundo da carroagem, neste momento) ainda com a mesma ladainha e esquema. A avaliar pelas contribuições, o negócio já teve melhores dias, quase só sobram as senhoras de bom coração que não têm ido corrigir as dioptrias ultimamente, mesmo assim, ainda vai rendendo qualquer coisa, não é André? O tipo ainda me conhece! Passou por mim agora mesmo, poupando latim.
É preciso ter lata, mas mais importante do que isso é preciso ter dinheiro. André tem conseguido doses bem aviadas de tudo isto e tem ainda o filão da linha de Cascais para explorar (qualquer dia terá também a do Pinhal Novo). Desejo-lhe boa memória para me continuar a reconhecer e desejo-me a fortuna de nunca precisar de recorrer à generosidade alheia em região já batida e chupada pelo André; já agora, desejo o mesmo para vocês.

*

Hoje, ao início da tarde - alguns dias depois do anterior «hoje» que vem ali mais acima -, voltei a ver o André na estação do Rossio. Estava no grande átrio onde se vendem jornais, bilhetes e pipocas.
A indumentária era a do esquema e tudo indicava que ia começar mais um dia de trabalho, mas havia uma novidade, uma novidade para mim, não para a verdadeira história quotidiana da linha: com o André estavam mais dois Andrés. Um talvez fosse o António: “vestia” a sua pastinha de apontamentos que trazia na mão esquerda juntamente com o caderno escolar que encostava à T-Shirt da moda. O outro, mais velho, parecia coordenar as tarefas do dia distribuindo direcções e instruções para os Andrés. Este outro parecia menos universitário, mas também não tive tempo para o topar em condições. Num instante se separaram em direcção às várias linhas da gare do Rossio. A rede da boa vontade voltava a atacar os generosos e indefesos cidadãos suburbanos.
Hoje é terça feira, dia de feira da ladra, há pombos, fumo, enganos, rugas e olheiras. Parece Inverno este Verão. Acho que não devia, mas tenho nojo de alguma coisa.

Mem Martins, 24 de Julho de 1997
Individualismo

SMS - Save My Soul!
Por mares plenos de sensualidade e perfídia.


Da TSF
BANDA DESENHADA
Mulher, a heroína dos quadradinhos
Este ano, o Festival Internacional de BD da Amadora promove concursos de BD e cartoon cujo tema central é a mulher. As inscrições já estão abertas. A 14ª edição do festival decorre de 17 de Outubro a 2 de Novembro.
Está engraçado o Google hoje...

Toma lá, dá cá

A propósito do meu post sobre a carta aberta de um oficial do Exército no Público interessante e divergeeeeeeente a opinião expressa aqui.
Em jeito de comentário na troca de e-mails com o Quinto dos Infernos retribui o seguinte troco (com ligeiríssimas correcções):

"Uma das diferenças entre as duas formas de ler a carta, parte do nível de expectativas. Não li a carta à procura das "explicações" para este último caso - o da demissão do General. E julgo que não era esse o objectivo (principal) do Major. Se tivesse outras expectativas até compreendo a sua frustração sobre a carta.
Também tenho alguma, pouca, família no meio e longe das altas patentes, concretamente, na Marinha.
E se há facto de que não tenho dúvida é que o mau estar é geral na Marinha, também. E não se resume ao episódio Paulo Portas, é bastante anterior. E passa pela organização interna do ramo, pela falta de respeito, por não se honrarem os compromissos, por abusarem do voto de silêncio obrigatório, pelo tratamento discriminatório face a outras forças para-militares, pelas condições de trabalho, pelo equipamento disponível, pela falta de objectivos claros. Os levantamentos de rancho não são caso exclusivo do exército, por exemplo. Neste ponto remeto-o para a polémica com o Carimbo e para o post em defesa do PR que surge no adufe onde abordei de passagem alguns destes aspectos.
Admito que no exército, habituado por exemplo a um papel que vai perdendo na própria lógica militar moderna e bem mais atrasado no caminho da racionalização (a começar pelo excessivo quadro de oficiais) e modernização haja também um exagero de "instinto de sobrevivência". Mas esse exagero não nos pode toldar para a realidade das FA's nos últimos anos (a minha memória recua aos tempos de Fernando Nogueira não mais). O poder político tem sido sistematicamente irresponsável na política de defesa. Julgo que mudar esses estado de coisas e ter consciência dele é bem mais importante do que o sintoma grave recente protagonizado pelo Ge. Silva Viegas.
"

Que me faz pensar (rev.)

Fiquei a matutar no Super Escola do Alfacinha. No post enuncia uma cassete a que uma certa esquerda recorre - e por vezes alguma direita quando está na oposição (!) - para denunciar o supostamente pernicioso raciocínio economicista de medidas como o encerramento de escolas com menos de 10 alunos. Ainda que concorde teoricamente com os fundamentos de alguns desses argumentos fica-me na memória a desautorização conquistada por esses críticos aquando da passagem pelo poder (falo do PS). E não é irrelevante para a força do argumento, quem o divulga. Para mim não é. Hoje revolvem-se-me tanto as entranhas a ouvir esses senhores com esses argumentos quanto o carcinogénico Paulo Portas.
Há um anátema que colhe a minha simpatia: o PS, neste momento a única esquerda de que apesar de tudo vale a pena falar, é co-responsável pela necessidade de se reformar dolorosamente o país, ou mesmo, por não se conseguir reformar o país nalgumas áreas. O que fizeram, a falta de visão e de racionalidade deram e darão ainda folga ao actual poder para acumular asneiras – medidas a eito com forte receio e, noutros casos, desinteresse em se olhar para trás ou para os lados. Faltam ainda muitas asneiras por cumprir sem que com isso se ultrapasse o passivo acumulado do PS. E esse passivo só foi e é potenciado sempre que se admite que o acto de contrição se resumiu aos resultado das últimas eleições. O impacto de ausência de acção não se conhecia integralmente em Abril de 2002. E ainda que hoje as responsabilidade seja mais difusa por termos outro poder é difícil eliminar o travo a PS no que de mal vai no país. Onde esteve o engenho para sugerir e em alguns casos apoiar o actual governo a resolver os problemas criados? Faltou humildade e honestidade, como geralmente falta sempre a partidos com interesses imediatistas, de vistas curtas. Fez mal ao PS ter ficado a uma unha negra de ganhar as eleições. Mas já estou a divagar…

Como pergunta o Alfacinha, às vezes parece que a racionalidade para certas pessoas não pode ser um critério suficiente para decidir. Ser racional é ser de direita? Espero bem que não, senão...
Pode ser racional, geralmente é, poupar para investir. Tal como o é para sobreviver. Contabilizar as consequências da poupança e os benefícios do investimento constituem o principal desafio de quem se propõe desempenhar poder executivo. Perceber as premissas que fundamentam as políticas seguidas é a prova final a que devemos submeter a teoria programática inicial. Só conhecedores dessa racionalidade podemos perceber se se ajusta à que idealizamos. Aos nosso interesses.
Uma racionalidade que tragicamente ficou manca quando o governo actual decidiu poupar na prevenção de incêndios, por exemplo (leia-se o D.Económico de hoje aqui). Ou quando resolveu encerrar tudo (ou quase tudo) o que seja ensino recorrente - neste caso produzindo pequenas tragédias que não chegam às notícias mas que nada ajudam para que o país ande de cabeça erguida.

Para crianças de 5 anos:
Nem tudo o que é feito sob o pretexto da racionalização é mau ou bom. Nem tudo o que é guiado por conhecimentos económicos é mau ou bom, depende daquilo que é valorado e daquilo que achamos devesse ser valorado. Não há pachorra para aturar rótulos vazios, de gente vazia. Mas é impressionante como tantos políticos tentam colar bizarras conotações (ou a ausência de conotação !) a palavras que teimam em resistir àquilo que querem que elas passem a ser. E é na avaliação do comportamento racional - para o bem comum - de quem está no poder, ou na oposição, que nos devemos basear para efectuar as nossas escolhas políticas.

Eu escolho a honestidade (intelectual) ao poder!
Escrita Inteligente...ora aí está um bom nome para um blog

O José Mário Silva tornou público que lhe desvendaram os mistérios da escrita inteligente do seu Nokia (tal anunciação ainda não chegou aos meus neurónios, confesso). Mas o que me apetece-me lembrar é que... [Publicidade: "Você acabou dji ganhar um novo celular!! Ligue 345-meia-meia-3-2 da rede de São Paulo!!"] ... os brasileiros inventaram a númeração inteligente há bueda anos!

Bjs e abrços p tds!

terça-feira, agosto 12, 2003

O determinismo geográfico

Não resisto a fazer eco de último post de Pedro Machado no País Relativo:

"A canícula alemã ou Montesquieu revisitado:
Durante estes dias de intensa e constante canícula, os alemães andam desorientados. Carregam olheiras de noites dormidas a espaços, circulam empapados em suor. Atiram-se sofregamente a ventoinhas e aparelhos de ar condicionado, baixam às urgências hospitalares com queixas de insolação e desidratação. O correio atrasa-se, as entregas ao domícilio eternizam-se. Os patrões desesperam com a fraca produtividade dos empregados, estes com a generalizada falta de climatização dos locais de trabalho. Metros e comboios convertidos em estufas, centrais nucleares, tal como em França, a transpirar e a ameaçar gripar - e lá se vai o ar condicionado ainda agora comprado. Um país virado do avesso, um país subitamente com hábitos e ritmos mediterrânicos. Só que mais perdido, ofegante e exasperado pela falta de hábito. Será que, no meio de tanto desajustamento, sucumbirão à poligamia que Montesquieu dizia própria dos climas quentes?
"

Apenas acrescento: Maldito Determinismo Geográfico! E não é que os portugueses que lá moram têm excelentes índices de produtividade?!??! A juntar ao Algodão não engana que está ali em baixo resta dizer: É a pólvora meus caros, a verdadeira pólvora!
Crónica desordenada de um sofrimento comum

(Memórias de um Proto-Blogue IV)
 
 
            Era sempre a mesma coisa! O João abria um livro e, logo nas primeiras linhas, lá estava escarrapachada uma das ideias que tinha como parte do seu mais íntimo património, obra de sua suprema singularidade. E, invariavelmente, o livro ia parar à gaveta da mesinha de cabeceira, condenado. Que diabo! Seria isto um truque da sua mente? Estariam já todas as ideias escritas num livro?  Porque teimavam em parecer sempre mais belas e perfeitas? E porque lhe passava constantemente pelo pensamento aquele quadrado da Mafaldinha, onde se dizia que criar não era mais do que imitar com antecedência?
           
            O pior é que, a cada experiência destas, surgia mais forte a convicção de que o próprio problema enfrentado não poderia ser algo de novo. A originalidade é uma utopia logo, não vale a pena pensar porque é virtualmente impossível criar. Caso arrumado, segue a vida! Não segue não senhor. O João tinha que resolver o assunto de uma vez por todas, afinal, no seu código não havia prisões perpétuas e, de certeza, incorreria novamente no hábito da leitura.
 
            Abriu a gaveta e o livro do momento,“Os Mais” de Eça de Queiroz, capítulo tantos da página tal, cá estava: Ega resolvera escrever as «Memórias de Um Átomo». Ora, um fulano que nascera há aproximadamente 150 anos, aliás, há precisamente 150 anos, retirou o brilho da originalidade a uma  ideia que o João tivera há uns meses atrás! Quem era esse Eça de Queiroz para agora, com o peso dos seus anos e com a sua antecessora existência, vir condicionar os que se lhe seguiram, ao ponto de lhes retirar a legitimidade de se apregoarem criadores de uma ideia, pais de um pensamento, que efectivamente era tanto de sua exclusiva autoria como foram os de Eça em seu tempo?
            Mas que “culpa” tem Eça? Certamente, também não terá menores direitos.
            A culpa não é de ninguém! Queimem-se os livros, escrevam-se outros para a fogueira! Não, isso também não. Se a escrita fosse uma colecção de ideias finítas essa nunca seria uma solução; não haveria solução. A escrita deve ser algo mais - desconfiou o João.
            Após estas reflexões não se sentia nem melhor nem pior, uma mistura de revolta e angústia dominavam-no. Resolveu então partir do princípio que só conseguira aflorar a ponta de um iceberg, uma vez que era essa a sua sensação mais frequente no dia a dia. Geralmente, tudo o pensamento ou reflexão que produzisse empurravam-o para um mundo extremamente complicado e cheio de relativismos movediços, potencialmente agonizantes.  Assim, tomou este como um desses casos frequentes e resolveu abordá-lo de uma forma diferente: ia escrever.
            O desespero foi instantâneo. Ainda antes de escrever imaginou-se já a combater o ridículo da repetição, da frase feita, do pensamento estafado ou completamente previsível. Em torrente e meio desvairado debitou para o papel: «Mas eu só nasci quando nasci; estou limitado aos meus conhecimentos. Afinal, o meu tempo só conta com o passado dos outros quando faço dele presente. Não lhes devo direitos de autor; devo-lhes respeito e estudo. Mas devo-me o esforço de pensar pela primeira vez a ideia nova, ainda que no tempo dos homens seja já antiga e tradicional». Parou um pouco e releu-se. Continuou: «Também já não estou na fase do “contra”, já faço compromissos. Tento manter um ritmo assente na espontaneidade e na naturalidade, sempre combatendo as poses que insisto em fazer e em aturar. Cada um tem que descobrir o seu estilo, a sua personalidade, mas sempre sem abusar dos ídolos, das comparações, das oposições e de todo o tipo de reacções mecânicas. É algures no meio desta filosofia que tenho de encontrar o meu meio de navegação mais  racional, pois que não raras vezes me é apenas possível navegar com recursos mais primários, ainda que ocasionalmente mais inesperados e desconhecidos».  João voltou a parar, olhou para o livro e rematou: «Qual é o melhor caminho para se aprender a ler? Lendo?!»
            Ficou ali um pouco, sentado na cama, a olhar para o papel. De seguida, ergueu ligeiramente a cabeça e olhou-se no espelho, viu o livro ao seu lado e quiz agarrá-lo com a mão direita. Dissimulado, este fugiu-lhe aproveitando a traição do espelho. João sorriu. Com uma sensação de rendição, enfiou-se debaixo dos cobertores e sonhou Lisboa, e depois Sintra, tal como Eça lhe sussurrara pelas páginas de um livro aberto.
 
Aos 10 de Outubro de 1995
(publicado no DN-Jovem em Novembro de 1995)
A poor lonesome cowboy far away from home...

segunda-feira, agosto 11, 2003

O meu amor traz-me uma brisa fresca quando se chega ao computador...
Uma boa notícia...

Tocadores de adufe em férias no concelho de Castro Daire informaram-nos durante a tarde que a serra de São Macário estava em chamas. Há pouco mais de uma hora uma monumental descarga de água, bem ao gosto de Agosto, trouxe de volta o céu estrelado. Não há alguém com fôlego para soprar chuva também para o Algarve?

É pena o Paulo Portas ter esgotado os períodos telefónico todos com a catástrofe do Prestige. Fazia falta mais um jeitinho de nossa senhora!
Ao nosso querido "jornalista" Luis Delgado

Pus-me a olhar para trás e com este são 12 os post que aqui deixei desde a meia noite de ontem. Entre destaques a notícias, páginas na net e textos exclusivamente esgalhados por este que vos escreve. A qualidade e o esforço despendido variam de acordo com quem lê e com quem escreve, bem entendido. E como eu há muitos outros nestes preparos que, pelo caminho, ainda justificam o ordenado no respectivo emprego, asseguram com todo o gosto o seu quinhão de prazeres / deveres de um lar a dois (ou a mais) e aqui voltam no final do dia a bater records de parágrafos na blogoesfera sem que disso tenham consciência (salvo esta excepção que aqui vos apresento).
Como deve estar preocupado o nosso Luis Delgado. Recomendo-lhe desde já que reforce o plano poupança reforma o quanto antes pois a mão invisível do mercado está a demorar a agir por aqui... Nem uma alminha a pedir um subsídio para pagar a conta da internet apareceu (que eu tenha visto)!

Como poderia ter dito um economista famoso " She moves in misterious ways"

Adenda: o mail que aqui apresento é a serventia da casa, o poder redentor de um donativo não é alheio a um bloguista com princípios :)
TSF

O novo blog Glória Fácil (de três jornalistas) (re)lançou a discussão em torno do perigo de aniquilarem a TSF como a conhecemos. Já aqui trouxe o assunto, mas depois de algumas reacções lidas (por exemplo aqui) e imbuído de algum liberalismo contagioso que voga na blogoesfera, permito-me o seguinte desabafo.

Admitamos que a TSF deixava de ter noticiários de meia em meia hora na maior parte do dia. Deixava de cobrir os eventos desportivos, retornando ao tempo de vacas magras em que apenas os três grandes tinham relato de futebol. Imaginemos que os noticiários ficavam iguais aos de todas as outras rádios: mais de 4 minutos a falar e dá processo disciplinar. Imaginem que despediam metade dos actuais jornalistas. Imaginem que punham os patins ao Francisco Amaral por ter um programa pouco apelativo para as donas de casa, todos os Sábados para Domingos da uma às três da manhã. Imaginem que faziam isto tudo para ordenhar bem a vaca (cash cow na terminologia de consultoria)... até que os parolos se apercebessem que estavam a ser enganados e mudassem de rádio. Imaginem que destruíam um dos bens mais valiosos da TSF, a sua marca, o que o seu nome representa hoje.
Quase gostava que isso acontecesse só para ver se não nascia uma TSF logo ao lado... Se a TSF morrer, viva a TSF!
Aconteça o que acontecer a guerra não será ganha na próxima batalha. Nem que inventemos uma Fenix Rádio Jornal.

Ainda acredito que a estupidez se autodenuncie e nos poupem a esta aventura, mantendo e refinando a melhor pérola da rádio portuguesa. Uma daquelas que já ganhou lugar na história deste país, nos alfarrábios de amanhã. Umas daquelas "coisas" de que nunca me esqueço quando me recordo de como era o meu mundo quando tinha 13 anos nos idos de 1988.
Uma valente adufada para (act.):

O Interior. Mais um ali para a lista da esquerda. Um que na realidade são dois pois trata-se de um blog intimamente ligado ao jornal regional do mesmo nome (aqui)

O último post que por lá se lê:

CINEMA NA UBI

O comentário de José Manuel Fernades no ´"Público" sobre o facto de na UBI não haver nenhum curso de silvicultura, mas haver de cinema, tem gerado todo o tipo de comentários. De facto de uma coisa não há dúvidas: Não se formam técnicos para renovar ou proteger a floresta, mas vai haver licenciados para filmar os fogos. Nesta região pode não haver estúdios, nem actores, vamos ter especialistas em fazer filmes sobre serras queimadas. É pena que os cenários sejam cinzas.
Dá cá aquela palha, se faz favor.

O INE acaba de divulgar uma breve análise sobre a Divorcialidade tendo por base os dados definitivos para as estatísticas demográficas de 2002 neste artigo.
Entre os dados mais significativos destaco a elevada taxa de divorcialidade portuguesa no contexto da União Europeia - estamos entre os países com maiores taxas - e o facto de cerca de 91% dos divórcios se fazerem por mútuo consentimento. Entre 1975 e 1979 a percentagem dominante era a dos litigiosos com 48% dos divórcios. Outro facto interessante é a diminuição da taxa de divorcialidade entre os indivíduos com menos de 40 anos em ambos os sexos, entre 1993 e 2002. Por outras, são os indivíduos com mais de 40 anos que têm feito disparar os índices de divorcialidade. Por outro lado, é nos casamentos com 5 a 9 anos de duração que se registam as maiores taxas de conversão em divórcio. Talvez a famosa crise dos 7 anos sempre exista, afinal... Ah! E quanto mais filhos, menor a probabilidade de divórcio... Ou será o oposto?

Estamos mais exigentes do que há 30 anos e menos capazes de encontrar entendimentos com o outro. Mas não consigo acreditar na inevitabilidade do fracasso implícita na dimensão de tamanha incompatibilidade.
Aos meus amigos peço-lhes, por favor, passem a pôr a roupa suja no cesto da roupa suja. É demasiado ridículo pedirem-nos (aos amigos, os que vos ouvem e acarinham) para encontrar espírito de entendimento para um divórcio baseado na roupa suja que ele ou ela nunca punha no respectivo cesto.
Já foram à página oficial do Asterix?


Adivinha-se uma semi-novidade "literária" em francês lá para 29 de Agosto do ano 2003 Depois de Cristo...

Carta Aberta ao Ministro Paulo Portas

O Público de hoje publica uma carta aberta ao ministro Paulo Portas escrita por um leitor identificado que se apresenta como um oficial superior do Exército no activo.

Parece-me um contributo equilibrado e sério para melhor percebermos o estado de alma que vai na tropa. Acho o texto particularmente interessante por sublinhar o que é que é relevante para um militar relativamente a tudo o que se tem passado nos últimos anos. Muitas vezes o que é relevante e o que se passa “lá dentro”, não é propriamente o que surge com grande destaque nos jornais. É também um exemplo raro e sintomático vindo de um oficial no activo, a quem, relembro, este tipo de opinião poderá acarretar sanções disciplinares graves caso venha a ser identificado. Pelos motivo já enunciados e para auxiliar no debate em que o Adufe tem participado transcrevo na integra a epístola.

Carta Aberta ao Ministro Paulo Portas
Segunda-feira, 11 de Agosto de 2003
Sou oficial superior (major) do Exército Português, no activo.
Os militares conhecem as ideias estereotipadas e pouco abonatórias sobre o nível de inteligência e o perfil psicológico que a maioria dos cidadãos dedica a quem escolheu esta forma de vida.
Resignados, aguardamos pacientemente que estes preconceitos imerecidos caiam em desuso, como muitos outros que foram sendo destruídos pela força do tempo e do exemplo. Basta-nos saber que não reflectem a realidade e que os exemplares a quem se possam aplicar com propriedade, que os há, reflectem a qualidade do povo a que pertencemos e podem ser encontrados com a mesma facilidade em qualquer outro grupo profissional, incluindo governantes.
Também é verdade que a instituição militar está esclerosada mas não mais que as restantes instituições públicas ou outras instituições centenárias.
Por estas e por outras, muitos cidadãos, incluindo alguns com responsabilidades governativas, abusando do dever de obediência e de silêncio a que os militares se obrigam e sabendo que estes nunca se insurgirão, rebaixam-nos, pensando que os submetem.
Os militares aceitam e cumprem voluntariamente as regras do jogo e as imposições disciplinares a que estão sujeitos por entenderem que estas são essenciais ao funcionamento do tipo especial de organização a que pertencem. Por isso, perante a hierarquia, salvo situações excepcionais, calam sem esforço o que sentem e pensam, levando terceiros a interpretar a submissão a estes valores como aceitação acrítica, genética e patética, do princípio da autoridade.
Não é assim. Os militares pensam e, quando se torna necessário, agem. O exemplo do último Chefe do Estado Maior do Exército prova-o. Mas ele não está só e a sua atitude não pode ficar isolada. O espírito do seu gesto terá de multiplicar-se se os militares quiserem manter o respeito por si próprios e ganhar o dos outros.
É já público que foram ultrapassados os limiares razoáveis do comportamento que se pode tolerar a um Ministro da Defesa. Perante a situação extraordinária em que nos encontramos, na ausência de sensatez dos responsáveis, impõem-se medidas extraordinárias como a desobediência à lei do silêncio e o delito de oposição.
Tem sido dito por jornalistas e analistas que os militares sentem um desprezo visceral pelo ministro da tutela, que não lhe reconhecem carácter ou qualidades para os liderar e que vêem com preocupação o instável rumo da sua governação. Na qualidade de militar no activo venho confirmar o que tem sido calado: é mesmo verdade.
E, a propósito, desmontar as manobras de diversão e de desinformação que pretendem escamotear o real motivo do nosso descontentamento:
1. Não é verdade que nos movam razões de ordem material. Sentimos diariamente a asfixia financeira das Forças Armadas mas percebemos a nossa realidade e já estamos habituados a sobreviver numa instituição tão descapitalizada como tantas outras. De facto, o que nos move são motivos de ordem ética e que se prendem essencialmente com a forma como temos vindo a ser liderados pelo poder político. A maior parte de nós tem uma cultura democrática sólida e aceita sem hesitações a subordinação ao poder político mas não pode ver com bons olhos que esta se vá transformando em humilhação pelo poder político.
2. Também não é verdade que a contestação actual resulte do facto de o ministro pretender diminuir o número de generais. Infelizmente, o descontentamento é mais generalizado, não se restringe aos generais nem a essa questão verdadeiramente irrelevante quando comparada com as causas do nosso desconforto.
3. Também não é honesto desculpabilizar o Ministro da Defesa dizendo que o Chefe de Estado Maior do Exército foi vítima de si próprio ao ter aceite o lugar nas condições em que o aceitou. A ter feito mal, o erro foi cometido pelo militar que desempenhava o cargo mas foi corrigido ao ter deixado de pactuar com situações menos dignas. Acontece que as desconsiderações do senhor ministro foram feitas ao Chefe de Estado Maior do Exército, independentemente de se chamar A ou B e, desse modo, a todo o Exército.
4. Não é senão meia verdade e demagógico o argumento do sentido unidireccional de um sentimento que tem dois sentidos, como o da confiança. Tal como o entende o comum dos mortais e os militares por força da sua missão é tão importante ter confiança nos subordinados como a confiança destes nos seus superiores. Não ter confiança no actual Ministro da Defesa não nos desmoraliza porque um dia deixará de o ser mas deixa-nos apreensivos enquanto lá permanecer. Porque já perdemos quase tudo o que poderia compensar essa ausência de confiança, porque a nossa auto-estima já não é grande e porque receamos os estragos que possa vir a causar pela amostra dos que já causou.
Em resumo, o senhor ministro, apesar do seu apregoado patriotismo, não reúne as condições mínimas necessárias para liderar uma instituição que se obriga a respeitar princípios que o próprio desrespeita. Actualmente, a autoridade de que goza é simplesmente de natureza formal, a que corresponde um respeito de etiqueta, também meramente formal, dirigido à figura do Ministro da Defesa mas não de quem desempenha o cargo. O que não é de menor importância.
Desdramatizando, sabe-se que ele, o país, a instituição e nós sobreviveremos ao ministro. Mas a culpa não deve morrer solteira nas mãos do actual ministro. A outra e não menos importante questão que se coloca é que regime é este que permite que um homem transforme um ministério na sua coutada pessoal e que não preste contas públicas de erros grosseiros que foram tornados públicos. O actual Ministro da Defesa não é o poder político. É apenas uma extensão dele. Algo está mal quando o poder político permite que continue a agir ao sabor do seu estilo muito pessoal sem qualquer tipo de consequências. Mesmo em política, mesmo no sentido estrito do termo, nem todos os fins justificam todos os meios.
Impõe-se que se diga que esta atitude não traduz nenhum posicionamento de natureza político-partidária. De facto, veríamos com bons olhos a deslocação do actual Ministro da Defesa para outro ministério e/ou a sua substituição por alguém do seu próprio partido. Sabemos de antemão que, tão cedo, qualquer outro pouco mais poderá fazer por nós, para além de nos respeitar com a dignidade que qualquer grupo profissional merece. Para esse efeito, qualquer delegado partidário bem intencionado poderá ocupar o lugar. Somos homens e mulheres vulgares que padecem das fraquezas da natureza humana como quaisquer outros. O Ministro não tem de ser perfeito. Nos tempos que correm já nem precisa de ser um homem sério a tempo inteiro. Basta-nos que o seja no exercício das suas funções e que nos considere. Para continuar a dispor da nossa interminável paciência e "incondicional" subordinação.
Leitor Identificado
Sugestão de leitura...

Florestas de ideias

"(...) 11) Na prevenção de incêndios, as limpezas periódicas são fundamentais, tanto nas florestas como na política; (...)"

Resto do artigo aqui.
Luís Coimbra
Diário Económico
Memórias de um Proto-Blogue: BALLESTER

“Nesta época, em que efectivamente tudo está dito, seguir escrevendo só é possível para quem é humilde.”G.T. BALLESTER in Grande Reportagem, Nov. 1992, pág. 40.

Desculpem-me a arrogância.
Memórias de um Proto-Blogue: A Senhora do Ó

Hoje é quinta feira dia 18 de Setembro de 1997.

A poucos passos da Calçada do Combro, lá bem no fundo, havia sol; uma esquina de sol de fim de tarde que vinha caprichosamente por entre os telhados até à  esquina da Rua dos Poiais de São Bento.

Nessas esquinas estava uma senhora de Ó parada no passeio, virada para a estrada. Vestia de vermelho uma camisola de malha que aperfeiçoava e vincava o magní­fico Ó atirado para a frente com a ajuda das duas mãos bem fixas nas ilhargas.

Acabei de descer a í­ngreme calçada e passei também pelas esquinas: ela já lá não estava. Distrai-me com a sua imagem que fixara uns metros atrás e perdi-lhe o destino. O meu, ia sendo passado a ferro pelo carro apressadinho que não queria parar ao sair das esquinas: «Desculpe lá! Não o vi com o sol.» disse em voz trémula a senhora que trazia ao lado um seu Ó com vinte e poucos anos, no feminino. E que lindo sorriso iluminado me mostrou este outro Ó quando o susto passou...
Faltavam quarenta e três minutos para a hora marcada e eu sobrevivia feliz, galgando a calçada branca e cagada da cidade de Lisboa. Arranjei uma musa para o meu último exame da faculdade.
Se há sentimento que a blogoesfera me ajuda a combater é precisamento o "I just wasn't made for these times...".
Sound byte

Sometimes I feel very sad
Sometimes I feel very sad
Sometimes I feel very sad
I guess I just wasn't made for these times....


Memórias de um Proto-Blogue: Avenida da Liberdade

Uma rapariga apressada, sisuda, que subia a Avenida da Liberdade arriscou - oh acto de bravura nesta era desgraçada!- perguntar, a um rapaz que descia, que horas eram. Este, em vez de virar a cara para o lado e apressar o passo antes que fosse assaltado, ou então, antes que fosse convidado a uma sessão de apresentação de um excelente produto, arriscou também - oh feliz o audaz que propiciou esta coinciência!- e respondeu.

Engasgou-se tantas vezes antes de dar a hora certa que acabou a pedir desculpas à rapariga que sorria agora divertida, tal fora a palhaçada.
A boa disposição em que a moça ficara funcionou positivamente no rapaz e este justificou-se dizendo que o relógio era novo e sendo analógico não estava habituado a ele. Ela replicou que seguramente valera a pena reaprender a ver as horas dado que o relógio era muito bonito. Acrescentou: “É a primeira vez que pergunto as horas a alguém, se eu soubesse que era tão divertido já o tinha feito mais vezes.” Cavalheiresco, o rapaz respondeu: “Disponha, estou sempre às ordens para receber um sorriso... como o seu.” Num tom cúmplice, continuou: “Para a próxima, já que esgotámos este espediente, pode perguntar-me uma direcção. Garanto-lhe que vai rir a valer! Especialmente se secretamente souber onde é. Eu nem lhe digo quantos desgraçados é que já desencaminhei com a maior das boas intenções!” Riram, despediram-se. Pouco depois, olharam os dois para trás aos mesmo tempo, sorriram de novo. Ela apanhou o metro, ele entrou num Banco.

sábado, agosto 09, 2003

Em defesa do presidente de todos os portugueses II

Desde já agradeço a resposta de O Carimbo ao meu post "Em defesa do presidente de todos os portugueses".

Para evitar muitas delongas, sem negar a devida resposta, regresso à polémica de uma forma mais mecânica do que literária. Esperemos que fundamentada e explícita.

No post de resposta onde O Carimbo expõe os argumentos para rebater as minhas críticas, O Carimbo pergunta, e bem,: «Se não houve desrespeito pela hierarquia militar, porque sentiram o Primeiro Ministro (PM) e o Almirante Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas (CEMGFA) a necessidade de lembrar a todos nós que “o chefe militar de mais elevada autoridade na hierarquia das Forças Armadas é mesmo o CEMGFA”? Porque disse o Almirante Mendes Cabeçadas que só ele e os Chefes de Estado-Maior dos ramos podem representar com legitimidade os interesses das Forças Armadas?” Talvez tenha sido porque um General (na reserva) tinha acabado de ser mandatado para representar os interesses do Exército perante o PM?» Sublinho que nunca ouvi os senhores oficiais abalançarem-se em tal intento. Lembro até declarações do General Loureiro dos Santos na SIC - Notícias, na noite do jantar, a recusar essa conclusão sobre o objectivo do jantar. Pressão sim, mas com o peso que a sociedade e o PR quisesse dar à opinião das pessoas em questão – bem conscientes de que podem falar porque já não estão subordinadas.
Usaram dos seus direitos cívicos, manifestando a sua posição pública e política sobre a demissão e fizeram a critica que entendiam ao governo e ao comportamento do ministro da defesa. A que propósito é que esses senhores deveriam guardar reserva sobre matéria que consideraram tão grave? A politica de defesa, assim como a aplicação da justiça, por exemplo, não são, nem podem ser vacas sagradas indiscutíveis.

Como pergunta O Carimbo repito, porque é que o CEMGFA se sentiu na obrigação de esclarecer o óbvio? A minha pergunta de retórica é, contudo, outra “Alguém acredita que a situação é tão grave que há o real risco de o Exército se rever mais nos seus ex-representantes militares do que nos actuais (políticos e militares)?” Espero sinceramente que não. Não terão sido as declarações do CEMGFA um favor político ao MD? Não sei, não posso afirmá-lo. Mas pareceram-me despropositadas, dando elas sim uma conotação ao tal jantar que este não deveria merecer. Um erro a que o PR se furtou.

Confesso que não entendo a força de argumentos como os que suponho estarem implícitos em “Porque têm apenas sete cidadãos (que são, em princípio, iguais aos outros) o direito a saber as razões da demissão do GSV? É que à população portuguesa foi dito, pelo próprio GSV, que não podia tornar públicas as razões da perda de confiança no Ministro da Defesa (MD) devido ao respeito que lhe mereciam a instituição militar e aqueles que serviam o Exército Português. Pois.” Sendo coerente com o que disse, acho que o GSV tem todo o direito de tornar públicas as razões da demissão, assim como lhe assiste o direito de traçar ele próprio uma fronteira de nojo (a que, repito, não julguo que esteja/estivesse obrigado). Pelo posição d’O Carimbo esta reserva do GSV deveria ser de louvar (ainda que escassa por não dever ter permitido sequer a tal conversa com os cidadãos portugueses porventura mais competentes para criticar a matéria em causa).

Sublinho que o “disparate” que mais me choca é a qualificação da atitude do presidente como um favor ao país socialista. Seria impossível o PR ter sido mais coerente e isento. Como disse, a memória das afirmações do PR desde o início do seu primeiro mandato sobre o assunto serve-lhe de defesa sobeja. Tem e teve a autoridade moral para dizer o que disse sendo as suas palavras naturalmente mais marcantes por esse mesmo facto.

Os compromissos do governo são assumidas por quatro anos mas tomando por bons compromissos voluntariamente definidos pelo MD, este criou uma expectativa de solução bem mais imediatista. Talvez por excesso de início de mandato ou deficiência crónica de personalidade. Quem o conhece facilmente esclarece esta dúvida.

Não é de facto tempo de discutir que forças armadas queremos, é tempo de implementar a lei já aprovada que expressa a resposta a essa pergunta aprovada pela Assembleia da República. No entanto, adiar o seu cumprimento devidamente calendarizado, mesmo sob pretexto da contenção orçamental, não é inócuo. Tudo pode ser posto em causa pela demora. Assim acontece na defesa, numa empresa ou num lar. Esperemos que não se chegue ao ponto de tudo ficar de novo em causa... Como no passado.

Como em boa parte da resposta – que na realidade não o é, e bem, pois como expressei a dada altura, alarguei o meu post a outras críticas da vox populi das quais encontrei algumas ressonâncias no post do Carimbo – concordamos em concordar, termino comentando a última frase que encerra o post do Carimbo:

Voltando ao “supônhamos", a hipótese de ligação que aqui descrevo entre o PR, o PS e o GSV não é mais disparatada do que a tese da cabala contra o PS defendida (e constantemente repetida) por Ferro Rodrigues.

Atendendo a que, com os dados que conheço, a cabala de Ferro Rodrigues não fornece qualquer argumento sólido que me permita duvidar seriamente dos procedimentos judiciais em vigor – com os quais discordo em larga medida mas que defendo integralmente até se alterar a lei -, também a ligação descrita entre PR, PS e GSV se me afigura como um exercício demasiado efabulatório e particularmente injusto para o PR... até prova em contrário.


Em defesa do presidente de todos os portugueses.

O Carimbo procurou num dos seu últimos posts marcar mas não ferretar o Presidente Jorge Sampaio com o epiteto de O PRESIDENTE DE TODOS OS PORTUGUESES SOCIALISTAS isto a propósito das declarações proferidas na cerimónia de tomada de posse do novo chefe de estado maior do exército (CEME).
Depois da transcrição do post que aqui deixo permito-me discordar apresentando alguns argumentos.

De acordo como Público, Jorge Sampaio (JS) aproveitou anteontem "a tomada de posse do novo chefe de Estado-Maior do Exército (CEME), Valença Pinto, para fazer uma série de reparos ao Governo pela forma como tem gerido a pasta da Defesa". De seguida, deu um forte abraço de despedida e agradecimento ao General Silva Viegas (GSV) e afirmou: "Considero indispensável expressar o reconhecimento da República ao trabalho levado a cabo pelo (...) General Silva Viegas, cuja qualidades pessoais, competência profissional e empenho na reforma e modernização do Exército e das Forças Armadas, ninguém pôs nem poderá pôr em causa."
Parece que JS não viu no "Jantar dos Oito ex-CEME" qualquer ameaça ao regular funcionamento democrático da República nem qualquer tipo de desrespeito à hierarquia militar. A única coisa que o Presidente da República viu foi apenas uma excelente oportunidade de servir os interesses do Partido Socialista (PS), criticando o Governo numa altura em que este se encontra fragilizado pela situação de calamidade que se vive no país.
Repito que, ainda que o GSV possa ter razão quando se refere à falta de diálogo entre o poder político e a hierarquia militar, ao adiamento de compra de equipamentos e à sub-orçamentação das despesas com as missões internacionais, isso não justifica a forma como conduziu a sua demissão do cargo de CEME. Por outro lado, JS também sabe que o Governo tem dificuldades em satisfazer as exigências do Exército e por isso afirmou que a gestão corrente e as exigências operacionais das Forças Armadas "terão de ser compatibilizadas com a austeridade financeira" e que, "em vez de ser factor de instabilidade recorrente, a escassez de recursos deve, pelo contrário, potenciar uma gestão mais criteriosa, mais racional e mais eficaz dos orçamentos militares, na base de uma avaliação séria das nossas necessidades em termos de equipamentos e de funcionamento".
Estas afirmações só fortalecem a posição do governo e fragilizam a posição do GSV. Como é então possível assistir a um tão efusivo agradecimento público ao GSV? Só se a sua demissão foi "encomendada" pelo PS...


Quanto ao ponto do desrespeito das hierarquias militares que estaria implícito no jantar dos Ex-CEME e, mais grave, a ameaça que esse repasto público constituía para o regular funcionamento democrático, fico à espera de fundamentação. Sei que um militar reformado, independentemente da patente, deixa de estar obrigado ao dever de reserva sobre matérias políticas, ou seja, vê integralmente restabelecidos todos os direitos liberdades e garantias que assistem a todos os cidadão, excepto, aos militares no activo.
Queiram - falo no plural pois não só no Carimbo vi tirarem este tipo de ilacções - retirar das ameaças que entrevêem as devidas consequências e proponham a mitigação dos direitos liberdades e garantias de ex-militares. De fundamentação que adivinho absurda, devo admitir. Caso contrário, limitem-se a comentar o facto político a que esse evento se resume: a meu ver, importante, significativo, - porque lhes reconheço competência e conhecimento especialzado na matéria - talvez mesmo preocupante mas não nos termos em que surge enquadrado como procurarei explicar.

Acho quase divertido conceber que os oito ex-CEME (em bom rigor incluía-se também um ex-chefe supremo das Forças Armadas) participaram numa manobra orquestrada pelo PS para darem uma machadada no fragilizado governo, surgindo o Presidente da República em lesta e atípica intervenção capitalizadora desses dados.

Se recuperarmos um pouco da história recente no relacionamento entre ministros da defesa e Chefes de Estado Maior facilmente percebemos quão disparatada é esta conclusão que pretende reduzir tudo a uma partidarização. Admito que seja uma hipótese confortável para quem se sente desconfortável com a atitude do ex-CEME e do PR mas está longe de se resumir a isso. Poderíamos até admitir estar na presença de um lobby conservador da defesa mas até essa hipótese me parece demasiado redutora. Diria “Também mas não só...”. Com um pouco de memória facilmente se percebem as fragilidades e incoerência do raciocínio defendido pelo Carimbo.

Quanto ao PR, merece a justiça de se reconhecer que há vários anos alerta para a necessidade de o poder executivo ser consequente com aquilo a que se havia comprometido. Em várias ocasiões o PR zurziu com firmeza e gravidade pouco habitual o poder executivo para que este implementasse a Lei de Programação Militar, a extinção dos Tribunais Militares e dinamiza-se a profissionalização das Forças Amadas, entre outros... Quase tudo caiu em saco roto. A lei de programação militar seguiu em revisões sucessivas e até hoje quase nada foi efectivado. Os tribunais militares continuam a operar e a demagogia impera há mais de uma década – já vem de Cavaco Silva... - em torno do regime de voluntariado no serviço militar. Asneiras sucessivas se fizeram neste último caso...Adiante.
Jorge Sampaio já é presidente há vários anos e atendnedo ao que tem dito e feito repetidas vezes em relação as FA, esta é talvez a área da política nacional onde é mais descabido querer colar as actuais declarações do Chefe Supremo das Forças Armadas a um favor partidário.

Qual tem sido o problema dos governos então? Para reformar, para profissionalizar é preciso num primeiro momento gastar mais (em equipamento, nas carreiras), mesmo reduzindo o pessoal e nenhum partido feito governo teve ainda a coragem de reconhecer e garantir essa evolução. No caso do PS por manifesto desconforto – parece genético –com os assuntos de fardas... Ninguém com peso se deu ao trabalho de pensar as Forças Armadas. O que queremos? Para que as queremos?
Entretanto, uma certa reforma foi-se fazendo, ao ponto de anular boa parte dos tradicionais argumentos anti-militaristas. O contingente do Exercito diminuiu drasticamente sobrando pouco mais da guerra colonial do que o velho equipamento; a Marinha e a Força Área, parece ser consensual, atingiram já a dimensão desejável e estão mais avançadas no processo de profissionalização; as regalias existentes degradaram-se ou foram eliminadas, etc.
Alguns aspectos negativo que sei manterem-se são:
- o desequilíbrio da estrutura hierárquica (excesso de altas patentes para o quadro desejado),
- inexistência de meios operacionais que desapareceram por obsolescência,
- perda de capacidade formação de militares e um pouco cativante regime de carreiras que não garante um contingente mínimo de voluntários com os requisitos académicos mínimos exigidos por umas forças armadas profissionais.

Há não muito tempo o Chefe de Estado Maior da Armada mandou recolher os navios por falta de meios. Os militares destacados esperaram (e esperam?) meses pelas remunerações estabelecidas quando em missão, os pilotos perdem segurança e competência não realizando o número mínimo de horas de voo e o patrulhamento oceânico faz-se ainda, em boa parte, em navios desenhados para defender rios tropicais nos idos de 70.

Não foi o ministro da defesa da altura que deu ordens ao almirante CEMA para recolher os navios.. Este ordenou-o de acordo com as competências que tem à luz da lei e foi um escândalo, se bem se lembram. O senhor Almirante não perdeu a confiança política no ministro, geriu os recursos que tinha da melhor maneira: admitiu que não possuía meios, pura e simplesmente. Relembro, que não era o PSD que estava no governo, era o PS, um partido que só pode ter muito má consciência em tudo o que se relaciona com as Forças Armadas. E andamos nisto há anos sem que se decida o que fazer com as FA. Porque não extingui-las? Quando esta hipótese chegou a ser cogitada com alguma regularidade, António Guterres resolveu, e bem, rentabiliza-las, pondo-as ao serviço da política externa portuguesa, esticando a corda mais e mais ao ignorar os apelos dos “falcões???” militares.
Em suma, os sinais de que se havia chegado a um limite, que urgia decidir politicamente sobre o que fazer das Forças Armadas já foi dado há alguns anos. E este governo faz-se representar junto das FA por um ministro populista, prometedor de um corte com o passado, salvador de combatentes e ex-combatentes que entra em funções suspendendo tudo o que estava em (lento) andamento. Apresenta como obra válida a Lei de Programação Militar. Mas os meses passam e o carácter de urgência sublinhada pelos militares é abafado pela inércia. Tudo se mantém por implementar, as promessas feitas esboroam-se, as indelicadezas para com o CEME somam-se e a intervenção mais activa do ministro junto deste passa por uma tentativa – que eu saiba, não negada, até ao momento – de interferência no calendário de promoções dos oficiais, procurando favorecer um nome concreto. Uma interferência, não fundamentada no quadro do sistema de avaliação vigente no exército cuja gestão e garante é o CEME. E é-o por alguma razão... Só esta última razão invocada pelo agora Ex-CEME me parece mais que válida para que seja denunciada com uma demissão. Ter palavra ainda conta para algumas pessoas e a mensagem que recolhi da demissão do CEME foi de que o Ministro não é homem de palavra nem de respeitar os outros. Demitiu-se como a exacta medida.
Mais acrescento: pobres de nós se tomamos como a conclusão mais relevante atribuir a paternidade desta demissão.

Que Forças Armadas queremos? Quanto estamos dispostos a pagar? Para que devem servir?

sexta-feira, agosto 08, 2003

Está mais fresco!!

(em correcções de ortografia... Aceitam-se sugestões, SEMPRE)
O dia em que Avis foi ao café

Já alguma vez tentaram entrevistar alguém? Imaginem que estão num sítio onde não conhecem ninguém e ninguém vos conhece. Trazem numa pasta perguntas impressas que terão de fazer a pessoas determinadas: ao Sr. João Alves Pereira Rosado, à Sra. Zulmira Brito, ao Sr. António Silva… Enfim, a pessoas concretas que alguém escolheu como representativas por algum critério para expressarem a opinião do país sobre, por exemplo, as preocupações ambientais.

Há poucos anos, um entrevistador do INE, deslocou-se a Avis para perguntar a residentes seleccionados cerca de uma dúzia de questões sobre ambiente. Levava os nomes, as idades e as moradas. Chegado à vila procurou os endereço, bateu às portas e pouco ou nada conseguiu fazer. Não aparecia ninguém. Andou nisto uma manhã. Quando pedia ajuda a algum dos escassos passantes ninguém conhecia o Sr. João Alves Pereira Rosado ou a Sra. Zulmira Brito… A situação tornava-se desesperante. Até que em mais umas das tentativas um velhote lá aconselhou o inquiridor a desistir do bater às porta e a abancar no café.

Assim fez. Entre tragar um refresco e descansar numa cadeira perguntou pelo Sr. João Rosado…
- O que é que o senhor lhe quer? Perguntou um companheiro de bebida sentado na mesa em frente.
O entrevistador explicou ao que ia, que era do INE de Évora e que queria fazer umas perguntas sobre o ambiente, que não senhor não era para vender nada, nem era preciso cuidar que o assunto não interessava à polícia.
- Então o Sr. João Rosado devo ser eu mas não percebo nada de ambiente, pode pôr aí no papel.
O nosso entrevistador encontrara o Ti João da Fisga , vizinho da Ti Brites (Zulmira Brito) e companheiro das cartas do Ti Tonho Tamanco (António Silva). Os nomes de guerra e as alcunhas não chegaram aos ficheiros centrais do INE… Faltava esclarecer o que era “isso do ambiente”. Mas por mais que repetisse as perguntas de português polido que vinham na papeleta não havia maneira do Ti João da Fisga dar ares de entendimento. E se entendia, continuava desconfiado, parecendo procurar uma razão escondida.

Já os dois se impacientavam quando chega o Ti Tonho que sendo coxo de alcunha se apresentou lesto e voluntarioso em mostrar-se prestável pois tinha um sobrinho no INE de Lisboa e queria ajudar. Mas… “Isso do ambiente é lá nas cidades, com os carros e os aviões, aqui é tudo pacato e sossegado… Não ouve os pardalitos?”. Tudo assim andava, entre risadas e copos pagos, até que o entrevistador falou de água, de águas sujas nos rios. E tudo mudou, mudaram as expressões, o grão da voz, a postura nas cadeiras.“Os maganos das fábricas que nos matam o peixe e que nos engrossam a água no verão.
Volvidos dez minutos de conversa o café estava a abarrotar de gente disposta a responder ao senhor do INE, demandando ser ouvida, exigindo que se soubesse em Évora e em Lisboa o que pensavam do ambiente na sua terra. Das vinte entrevista previstas, cem se teriam feito sem dificuldade e, no fim, todos agraciaram o senhor do INE que se dignara apresentar-se na terra e lhe rogaram que falasse com as autoridades, que tivessem vergonha e lhes devolvessem o Alentejo onde nasceram.

Pelo que nos diz o Aviz, esta pequena estória inspirada numa outra história partilhada durante um belo repasto alentejano, está bem longe de ser pura ficção.

P.S.: Os nomes são ficcionados está bom de ver...
Como preparar uma bela refeição com "as sobras"

"O que fica para lá do litoral do país é uma massa de gente que sobrou. Não é gente que ficou por opção, porque gosta mais do campo do que da cidade. Não. É gente que sobrou, que ficou de fora da história do nosso moderno "progresso". Enquanto continuarmos a ver crescer um país assim, onde se imagina que o povoamento do campo se faz com os que sobrarem lá, a floresta há-de arder, as pontes hão-de cair e outras desgraças previsíveis também vão acontecer."

Ainda que já tenha tido a felicidade de encontrar quem more e goste de morar no interior do país, o Acho Eu no seu post O que fazer com o interior deste País? apresenta outras generalidades possíveis e, em meu entender, mais prováveis que se opõem à ideia provinciana que muitos temos da...província. Sublinho que já vai havendo opiniões dos próprios, os que "lá" moram, mesmo aqui na blogoesfera. Transmontar foi o último bom exemplo que encontrei...
O algodão não engana...

Um amigo mandou-me um artigo da Economist de 19 de Julho onde se avalia o mercado de trabalho britânico nos seguintes termos:

"British workers are rebelling against long hours in the office
THE economy has slowed down but the labour market remains resilient. The latest figures show that unemployment has fallen and employment has risen. The ratio of employment to the working-age population is close to its all-time high. The government is both proud of this and worried that Britons work too hard. Pushing the "work-life balance" agenda, Patricia Hewitt, the trade and industry secretary, says that Britain's "long-hours culture" is "macho" and "old-fashioned
".

Um governo preocupado com o trabalho excessivo dos seus cidadãos é já de si uma notícia a destacar mas há, mais adiante, uma frase que nos interessa... Segue-se uma análise comparativa dos hábitos laborais no continente e no Reino Unido e a páginas tantas lê-se isto:

"Looking at both part-time and full-time workers, the contrast with the EU becomes less marked. Taking into account holidays, average working hours are higher than in most European equivalents but lower than in Greece, Spain and Portugal."

Meus amigos... Alguém se deve ter enganado nas contas... Ou será que não?

Bom, para terminar mais uns parágrafos desta insuspeita revista liberal dedicados a quem fizer o favor de enfiar o barrete:

"The government, by going on about the "work-life balance" may have helped persuade people that staying at home isn't necessarily skiving. Attitudes among graduates are changing. "They are less willing to devote life and soul to their companies in their early years," says Nigel Meager, deputy director of the Institute for Employment Studies.

Looked at in the long term, there's nothing odd about this. Over the past 100 years (see chart) people have worked less and less as they have chosen to take some of the rewards of rising prosperity in the form of more leisure. It was the 1980s and early 1990s, as professionals first stepped up their work effort and then stuck at their desks in the hope of keeping their jobs, that were an aberration. Now workers are reverting to a familiar pattern, and sloping off from the office earlier and earlier. The government's campaign for the work-life balance looks redundant: life is winning
"

Life is winning in the UK! Que esta novidade não demore 20 anos a chegar cá...

"Clocking off

Jul 17th 2003
From The Economist print edition
"

Oferta.

E ao visitante nº 1000 deste blogue ofereço uma ventoinha.

Grrrrrr!

Maldito Template...
Veja!

Tenho a revista Veja à minha frente. Lá para o final apresentam o Top de livros mais vendidos. Na realidade apresentam três topes cada um para seu tipo de livro. Então é assim: no Brasil há livros de "Ficção", outros de "Não-Ficção" e livros de "Auto-Ajuda e Esoterismo". E pronto!
Já se fazia poesia com tantos nomes de blogues em português...
Aos poucos...

Lá vou lendo mais uns quantos blogues. É de facto fantástico este meio. Dá gozo ouvir os outros, saber que eles existem. Pela minha parte há uma solidão que desaparece ao conhecer um pouco mais deste país. Tenho mais fé e esperança. Um bom tónico para melhorar os níveis de confiança.
Entretanto a coluna ali da esquerda vai-se alongando, felizmente.